Instalação / 2015 Titulo: O lugar e a relação entre os objectos Concepção e montagem: M. Gama Duarte Assistente de montagem e registo fotográfico: Artur Duarte |
Descrição e origem de alguns dos elementos
que entram na composição da instalação acima apresentada.
Ao alto e ao centro:
- Reprodução, em formato de postal, de uma tela (pintura a óleo) do artista plástico Jaime Silva.
Tamanho real da tela: 148 cm x 240 cm.
À direita no alinhamento da janela:
- Foto da porta de um prédio antigo em Lisboa (Lapa), reproduzida em formato de postal.
Sobre a mesa, ao centro:
- Reprodução, em formato de postal, de um desenho do artista plástico Almada Negreiros.
O apego
no sentido do correcto
e devido lugar das coisas
“Um livro é um corpo… – um corpo inteiro, com
tudo nele existente...”
Pergunto:
–
Será que nos é fácil plenamente aceitar o apego no sentido do correcto e devido lugar das coisas?...
Parece-me
(e será) evidente que o sentido de orientação tem uma relação directa e íntima
com a memória. Se acertamos com o caminho é porque existem referências, e é
lógico encontrarmos a ditas referências nos lugares certos.
Se um
olhar nosso sobre nós próprios nos privilegia, oferecendo-nos a imagem (mesmo que
ilusória) de um ser, na melhor das hipóteses quase completo, a partir daí não
dispensamos nenhum dos nossos sentidos no assumir e no cumprimento de uma
vida que tentaremos que seja plena.
Cada
um dos nossos sentidos possibilita-nos um tipo e qualidade específica de
percepção – quer quando à distância focamos a observação num determinado ponto,
quer quando nos relacionamos com as coisas num contacto mais físico.
E também
me ocorre questionar:
– Que
sensação experimentaríamos ao darmos conta de que faltavam as notas musicais mi, lá,
si e dó, numa riquíssima melodia por nós conhecida de há muito tempo enquanto ouvia-mos?
Experiência
estranha seria também encontrar-mo-nos de olhos postos num quadro que nos fosse bem
familiar, e riquíssimo também (neste caso uma riqueza cromática), e constatarmos
que lhe haviam sido suprimidas as cores: vermelho e azul.
E imaginemos
agora a colocação, em sítio errado, de um importante e indispensável objecto num
ritual de cariz religioso, no momento crucial da celebração litúrgica.
E imaginemos
também a supressão de um importante elemento de ligação num conjunto que é harmónico
por natureza.
E imaginemos
ainda uma incorrecção ortográfica notada numa palavra que transmite, traduz ou
incorpora, um conceito muito especial e delicado.
Todas
estas roturas afectam em termos gerais, ou em particular, a ordem e a coerência
do que conhecemos em seus papeis conciliadores e estruturantes. E podem tais acções
ou incidentes: troca, supressão, anomalias, etc., serem potenciais causas de desarmonias,
deturpações, ambiguidades, desagregação e outras consequências. Enfim, um risco
para a compreensão, a pureza, e a integridade do que quer que seja alvo de tais experiências.
Que
efeito presenciaremos se, por exemplo, subtrairmos ou trocarmos de posição uma ou
duas letras nas palavras “TRANSCENDÊNCIA” ou “DIVINO”?
A estranha e inaceitável leitura da palavra provocará no nosso plano emocional efeitos
lesivos ao nível da simpatia, da seriedade, da credibilidade e da confiança.
Não
vemos aqui unicamente desafiadas a lógica e a rectidão que estão puramente associadas
ao rigor da grafia e da língua. Ressalta na conjuntura o respeito devido a estas palavras,
comprometidas com um místico significado, e que merecem…
Qualquer
cultura humana que haja florescido, ou venha a florescer, valoriza os seu símbolos,
os seus códigos, a sua escrita… e a sua linguagem. Estes instrumentos permitem
veicular o conhecimento, o saber, as tradições e os valores essenciais da
identidade. E assim se perpetuam esses bens imateriais.
O
estilo da letra, com a sua estética e expressividade próprias, é outro aspecto
de relevância quando se recomenda atenção no processo de escolha do tipo de letra
destinada a ser utilizada numa inscrição, ou texto, a pôr ao serviço de algo de
revelada importância que tem que ser comunicado.
No
momento da decisão por este e não por aquele estilo de letra, o individuo que
optou, ou escolheu, estará já a agir influenciado por um certo sentimento e
profunda compreensão do fenómeno, e
ciente da responsabilidade específica que tem que assumir. Pois o seu mental havia
estudado bem a questão antes de determinar o estilo de letra… quer a letra se
destinasse à capa de uma obra literária clássica que se imortalizou, quer se
destinasse a ser impressa sobre o cetim de um estandarte, quer se destinasse a ser
gravar no friso do portal de um templo.
A
letra serve a palavra. A palavra serve a mensagem. A mensagem serve o Homem. O
Homem está atento e procura interpretar os fenómenos físicos, os fenómenos da
mente e os fenómenos do espírito.
Num
texto que tenho datado de Julho de 2007, a linhas tantas dou expressão a um
pensamento divagante que me ocorreu (ou a uma reflexão, se se quiser):
“Um livro é um corpo… Um corpo inteiro… – com
tudo nele existente.
Um livro pode ser um ombro, um peito, um colo… Os livros são
doces, macios… Podem aquecer-nos se os encostarmos a nós com um abraço,
apertando-os contra o coração…
O livro pode marcar-nos a alma se o deixarmos, com as suas
garras invisíveis, penetrar nas dimensões mais subtis do nosso ser…
O livro pode marcar-nos até o corpo se, despidos, adormecermos
sobre ele…
O livro pode refrescar-nos se o aproximarmos um pouco do rosto e,
com os dedos, fizermos correr velozmente as suas folhas até que produzam uma
brisa que nos inunde a face…”
M. Gama
Duarte
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