Aquando
amenas e ténues
sombras d’Agosto
Nas minhas duas
últimas mensagens de Agosto (a 17 e 20 do mês), partilho pequenos flaches (detalhes) do imenso que dos dias
passados me foi ficando para lembrança … … …
E, nesse propósito,
reencontro-me com imagens (registos fotográficos que fui recolhendo e guardando…
Ora aqui ora ali, e em pleno e bem gostoso veraneio…)
… E quão cúmplices (e sensíveis)
os meus sentidos se foram revelando…
… E também breves
linhas me mereceram registo (pequenos e simples apontamentos…), através das
quais (linhas essas) procurei transmitir o que não me foi possível transpor
para suporte digital com auxílio de um leve premir do botão. E, em alternativa,
que um outro instrumento que não a
palavra ? ... – (a palavra) que é um outro jeito de compreensão, ou de
interpretação… – (um outro recurso).
… E: meu deus… – que deslumbrantes
são as terras do Douro!…
… Por lá os meus
sentidos iniciaram a inédita viagem… (pela primeira vez para além Porto)…
E logo, poucos dias depois, a revisitação (já menos a Norte) dos rios da Beira e das respectivas margens povoadas de aldeias; a revisitação das vilas… e de seus arredores… E a revisitação dos mais simples lugares, que também se orgulham (com razão) da sua original beleza…
E logo, poucos dias depois, a revisitação (já menos a Norte) dos rios da Beira e das respectivas margens povoadas de aldeias; a revisitação das vilas… e de seus arredores… E a revisitação dos mais simples lugares, que também se orgulham (com razão) da sua original beleza…
… E tudo isto a aliviar-me
saudades… – saudades da não menos deslumbrante Serra da Estrela…
– “A SERRA DA ESTRELA É O LUGAR MAIS BONITO DO MUNDO” (O Título… – frase que de imediato assolou o meu pensamento)…
… E esta frase é, ao fim e ao cabo, nem mais nem menos que o título da magnífica crónica de António Lobo Antunes: “A SERRA DA ESTRELA É O LUGAR MAIS BONITO DO MUNDO”.
…
Há um princípio (um momento primordial, num certo tempo) em que assentam as raízes de todas as coisas… - assim penso… sem todavia saber (ou estar ciente) se estou certo.
(e com prazer ele recordava esses dias…).
À chegada Abasteceram-se
no comércio local da vila do que lhes parecia ser o essencial para o sustento nas
primeiras horas do seu descanso merecido (as férias).
Mas havia sempre algo
que esqueciam, ou que forçosamente tinham que procurar no comércio alternativo…
(pois era a um Sábado).
E ele, daquela vez –
não sendo porém a primeira vez… - ficou no parque de estacionamento a ver a
companheira entrar no “Super”… De resto era só esperar.
… … …
Ela finalmente
regressava…
Regressava carregando o
saco com aquele pouco que lhes faltava… e mais um pequeno volume rectangular
que não coubera junto às mercearias – ou tendo ela preferido, com toda a razão,
transportar esse volume na mão (bem à parte).
Ele levantou-se
calmamente, mas decidido, e foi ao encontro da sua mulher.
(Ela sempre o surpreendeu
e continuava a surpreendê-lo, uma vez por outra, com uma inesperada mas
interessante e útil compra extraordinária… E não seria aquela vez a excepção).
Já próxima, e com um brilhozinho nos olhos, ela estendendo o
baço na direcção do marido e apresentou-lhe o livro que trazia:
ANTÓNIO
LOBO
ANTUNES
QUARTO LIVRO
DE CRÓNICAS
OBRA COMPLETA
Edição ne varietur
Editora:
D. QUIXOTE
(a 2.ª Edição)
…
Surpresa total… E que agradável era aquela surpresa!…
Chegaram em 15 minutos ao seu Micro-Paraízo: uma modesta casa rústica… – uma casa térrea e pintada
como ordena a velha tradição do Sul – ou melhor dizendo: uma casa entre o
Guadiana e o Atlântico (que mais dizer?...)
… Um quintal, onde nos canteiros brancos florescem roseiras
que dão flor de intensas tezes de vermelho… E também lírios lilases… e também árvores
de frutos (laranjeiras, um limoeiro, uma figueira, uma macieira, um
diospireiro, uma tangerineira… videiras), ervas daninhas que vão crescendo… Um poço
a céu aberto, e quase esquecido... …E o céu ali…
– ali, a dar ares de ser todo
deles entre o verde a fazer-lhes sombra,
os muros caiados e os beirais do casario ao longe… E a parecer-lhes também que esse
céu, naquele lugar, existe exclusivamente para si (para eles…)
Um espectáculo interminável que se passa num imenso
palco pintado de todas as nuances de azul… e onde os personagens são sempre:
ora as estrelas, ora as aves…
No momento seguinte aos 15 minutos de caminho entre
a vila (Grândola) e a Aldeia da Justa, eles cuidaram do braseiro; amanharam o
peixe; prepararam o tacho para as batatas; passaram no fio da torneira as
verduras para a salada; esticaram sobre a mesa a toalha comprada no Mercado Municipal da vila… E ali já tudo estava em ordem debaixo da melhor sombra… E, a
certa altura, ela que trazia ainda aquele brilhozinho no olhar – ao que
acrescentou uns pozinhos de orgulho pelo seu melhor investimento do dia (o
quarto livro de crónicas de António Lobo Antunes) – parecia que naquela ocasião
se havia esmerado especialmente no dispor das loiças, no colocar os talheres, e
no zelar de tudo o mais que competia...
Em resposta aos delicados gestos da companheira, ele
deu um ar de admiração – um ar que ela percebeu por entre a fumaça do grelhado
quase já pronto a servir…
E ela então comentou, sorrindo:
– “Não sei se ainda te lembras, ou seja: não sei se
ainda não te esqueceste…
… – É que hoje temos um convidado… Mas o célebre convidado
que hoje temos, só está disponível para se juntar a nós à hora da sobremesa: estou
a falar do nosso estimado António Lobo Antunes, como já
sabes…”
Chegado o momento em que se sentaram, ela ausentou-se
por um minuto, deixando-o a ele – ao companheiro – sozinho à mesa.
Mas logo ela reapareceu com o António Lobo Antunes
“pela mão”… e colocou-o com todo o carinho, e respeito, num dos cantos da toalha.
…
“QUE CAVALOS SÃO AQUELES QUE FAZEM SOMBRA NO MAR?”
– a primeira crónica que Rosa lê (“QUE
CAVALOS SÃO AQUELES QUE FAZEM SOMBRA NO MAR?”, também o nome de um dos romances
de António Lobo Antunes).
… E ela não parou… (não parava… – ia lendo… lendo.. lendo sempre). E lá foi virando página após página… (e lendo sempre… Sempre).
E a certa altura os olhos do companheiro começam a
humedecerem-se de comoção… - Comoção pela excelência, pela beleza; pela distinção
e verdade da escrita a que António Lobo Antunes já os habituara… mas sempre maravilhando-os a eles, e ao mundo…
Não apenas demonstrando a inegável seriedade, o humor e alto nível nas
crónicas… (nas crónicas sim… há essa
autenticidade…), e nos seus romances também, e até mais superiormente.
…
Ainda em Agosto… E ainda em férias (a uma Quinta-Feira).
Resolveram passar o dia romanticamente em Sesimbra,
e lá jantarem num restaurante simples com esplanada perto da lota e com vista
para as águas calmas do Sado, e para o Sol ao pôr-se.
Estavam a postos para saírem de viagem. O carro
ainda desligado. Desta vez ela ao volante (a ele nenhum prazer especial lhe dá conduzir.
Por isso é dela a responsabilidade da condução na maior parte das vezes).
Entretanto há um silêncio… Há qualquer coisa que Rosa quer dizer… E após breves segundos, ela fixa o seu olhar no olhar do marido e:
– “É isso!… – apenas me queria concentrar...
Marido, por favor, sobe lá a casa, vai ao nosso
quarto e traz o António Lobo Antunes… E não te esqueças do CD que faz parte – vem incorporado
no livro do lado de dentro da capa (tu sabes)… que é a leitura das crónicas… Vamos ouvi-lo
a ler as suas crónicas no caminho”.
Ele acatou, com agrado, o pedido da companheira – que fazia todo o sentido naquela ocasião.
Ele então subiu, botou a chave na porta, entrou e foi
direitinho ao quarto. Aí, com cuidado, contornou a cama para chegar à cabeceira
do lado em que ela (sua mulher) se deita desde sempre.
Já perto do ponto em que livros e mais livros,
revistas e mais revistas e sebentas, todos os dias se vão empilhando, foi apenas um relance de
olhar e um estender de braço.
Ele então abriu o livro, como o recomendado, para se
certificar que o CD não faltava... E ele aí estava…
E o seu corpo “apoiado no outro seu pé” (o pé oposto àquele com que tinha voltado a casa), fez e caminho de retorno, descendo
dois andares até à rua, e entrou de novo no carro que já se ouvia.
Trocaram umas breves palavras, aproveitando elas as
suas para perguntar ao marido: “O livro sempre estava onde te indiquei?... ” – pergunta
a que ele simplesmente respondeu: “Sim!... estava lá… e bem à vista… Foi fácil”.
Instalou-se a seguir um expectante mas tranquilo silêncio,
até que a voz de Rosa rompe o silêncio:
- “Podes pôr já o CD no leitor… caso queiras..."
- “Podes pôr já o CD no leitor… caso queiras..."
E o caso era que ambos estávamos ansiosos por ouvir o António Lobo Antunes lendo as suas crónicas.
M. Gama Duarte
19 de Agosto de 2015
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