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MENSAGEM AOS VISITANTES DO BLOG

Saúdo todos os que acedem a este meu Blog, venham ou não, de futuro, a tornarem-se visitantes habituais do mesmo.

Apraz-me contar com todos neste espaço de partilha.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015






– Onde Estás, Sr. Pedro?…



M. Gama Duarte / 2015

(Cenário)

Título:

Miragem - 1








Já com Deus?...














M. Gama Duarte / 2015

(Cenário)

Título:

Miragem - 2

(lá em cima?)…




























M. Gama Duarte / 2015

(Cenário)

Título:

Miragem - 3


no Último Piso do Universo?...















(O Sr. Pedro) 


Há anos que existe um pequeno restaurante – ou uma cervejariazinha, ou uma pequena e simples “casinha de pasto”… ou o que for, consoante o parecer de quem nela entre, ou de quem apenas passe perto e sobre ela lance um terno olhar...

Confesso que a minha simpatia, por alguma razão, pende para o último dos pareceres: uma pequena e simples “casinha de pasto”.

Esta simpática “casinha de pasto” há anos que existe, mas já lá vai o tempo em que dela éramos clientes (eu e a minha mulher) de quase de todos os dias. Mas hoje em dia, quando não é o caso de entrarmos, passamos, prendo nela o olhar, e discretamente espreito.
E apraz-me notar que desde esse tempo até hoje quase nada nela mudou: o mesmo verde nas ombreiras da entrada e nos caixilhos das vidraças; as mesmas mesas e cadeiras a ocuparem um exíguo pedaço no passeio debaixo do toldo e a contornarem a esquina; também da banda exterior os barris de cerveja (uns cheios e outros vazios) arrumados entre a esplanada e a parede; os mesmos clientes (salvo um ou outro cujo rosto me parece desconhecido) de copo aviado; cigarros consumindo-se num arder lento e silencioso, num vai e vem entre os dedos de uma das mãos, que ora pende ora chega à boca num empurrão de gestos sucessivos e tranquilos; as mesmas vozes no geral, e o mesmo gesticular… etc. etc.



M. Gama Duarte /2015
Na foto:

"Pinhal do Sapal de Corroios"

   








Quando apenas passamos, e à distância olho e discretamente espreito para o interior, na realidade só vagamente me é perceptível se algo tem vindo a mudar desde esses tais tempos… Mas, mesmo assim, pelo que distingo também os proprietários são os mesmos. E nas prateleiras as garrafas conservam o mesmo poiso… Bem como a decoração das paredes, entre a garrafaria e o tecto, aparenta não ter mudado: os tradicionais partos de barro pintados à mão, típicos do Alentejo; os utensílios rústicos diversos em cortiça; as cabaças de tamanhos variados com fantasias coloridas; os mesmos cheiros a chegarem-nos ao nariz e a atiçarem-me o apetite – tudo ainda familiarizando-nos... etc… etc.


Na Foto:
Cervejaria Alentejana



Um agradecimento especial à gerência da Cervejaria Alentejana pela gentileza de me ter permitido recolher fotograficamente, no interior do seu estabelecimento, a imagem acima apresentada.                     




Sempre que passamos e o tempo recusa dar-nos tempo para pararmos, questiono-me sempre: qual o dia em que foi a última vez que parámos e lá entrámos…(?): há dois?...; há três?... há quatro?...; será que foi há cinco?...
E debruço-me sobre a questão… e concentro-me de seguida num nostálgico acerto de contas com o tempo (e quando questiono se há dois, se há três, etc. etc., refiro-me a semanas, a meses, ou a anos). Mas não atino num resultado de contas feitas que me dê alguma certeza, e conformo-me com a desculpa de que os dias vão passando e mal se dá (ou damos) por isso… – é aquele incompreensível emaranhado: os tais novelos a que nos habituámos a chamar semanas, meses… ou anos… E é assim o tempo (aritméticas em que me confundo e perco)… E sucumbiria a um qualquer esforço que exigisse à minha memória recordar-me de algo que, no fim de contas, em nada ajudasse a fluir mais luz sobre aquela manhã (a tal manhã) da qual, afinal, hoje veladamente me recordo (são hoje quase só sensações), mas: uma manhã calma e clara, com uma temperatura suave e fresca… e de quando em vez uma brisa a disfarçar-se de um envergonhado sopro. E, de súbito, um fino aroma a café quente a dissolver-se no ar… trespassado de uma soalheira bênção que vinha do alto: de  entre as nuvens de um céu a acordar feliz para um novo dia…
Desfrutava-mos do nosso primeiro café da manhã… Havia sido um acaso – não um acaso tomarmos um café àquela hora da manhã, mas sim um acaso os nossos passos nos terem encaminhado para aquela pacata cervejariazinha de bairro, onde até então nunca tínhamos entrado.


M. Gama Duarte / 2015
Na foto:
Moinho de Maré de Corroios











M. Gama Duarte /2015
Na foto:
Moinho de Maré de Corroios













Sentámo-nos na mesa de dois lugares que se encontrava mais próxima da estreita porta e das amplas vidraças.
Um pico de curiosidade ia agitando o nosso olhar.
Era um espaço que desconhecíamos (era uma evidência…). Mas sempre gostámos de novidades e a experiência do momento era agradável…
Na fachada da entrada a pala do toldo verde, fixo a dois palmos acima da porta, ondulava levemente.
Do lado em que a mesa se encostava à parede interior, um recorte de papel branco em forma de triângulo e colado aos azulejos, informava o cliente, a letra grossa de marcador azul, sobre o menu do dia. E dizia:  


Hoje temos:

- Caracoleta grelhada
- Pipis
- Choco frito
- Pezinhos de coentrada
- Saladinha de orelha
- Saladinha de polvo
- Pica-Pau
- Sandes diversas
- Sopa do dia

Bom apetite



Por esta ordem, ou por outra, era informação que logo me despertara a atenção.

Fomo-nos tornando clientes habituais daquela pacata “casinha de pasto”, e, a bem dizer e por boas razões, além de clientes era-mos sobretudo fãs da sua cozinha. E, certo dia, ali aconteceu conhecermos o senhor Pedro – personagem a quem, em homenagem, dedico a presente crónica.



O Sr. Pedro era na altura pessoa para perto dos oitenta anos. Um tipo humano simpático e bem conservado de feições. Do género conversador… Indivíduo também educado e de uma admirável memória. Um cavalheiro em excelência. Porém tratavam-no mal as suas pernas e os seus joelhos – o que o cansava e o deixava por vezes quase num perder folgo. Mas no seu rosto sempre aquela expressão na qual se lia um misto de sofrimento, bondade e conformação, que nele se traduzia numa aceitação quase estóicas de toda aquela sua condição – fenómeno que nos causava admiração e nos comovia. 

Uma vez, derivado às humidades e ao frio – combinação de aspectos climatéricos a que era especialmente sensível – o Sr. Pedro adoeceu. Foi-nos dito (alguém que sabia pormenores nos disse) que o mal o tinha atirado para a cama.

Por uns dias deixámos de nos cruzar com o Sr. Pedro.
Nem o víamos na rua fazendo as suas curtas caminhadas para conservar a mobilidade das pernas, assim como deixámos de o ver naquela sua outra rotina habitual: o cliente aficionado da mesma cervejariazinha da qual havíamos também passado a ser clientes… – aquela sua rotina: entrando, saindo, voltando a entra… e a dar a salvação a toda a gente… – entretendo-se assim.  

Á parte as vezes em que nos cruzávamos com o Sr. Pedro, ou o tínhamos entre nós, ou ele circunstancialmente convivia com o restante cliente da cervejariazinha (“Cervejaria Alentejana”), nunca via-mos o Sr. Pedro acompanhado… O Sr. Pedro sozinho era aquela presença serena e afável… Nostálgico (?) quase sempre!... Ele era como que um “ humano arquipélago de saudades”… a sua ideia muitas vezes lá longe, no Mar (no Atlântico), onde a sua alma navegava de cá para lá e de lá para cá… atracando às vezes num cais de amenas conversas: desabafos; confidencias; manifestações de afecto… e saudades e mais saudades…
Um cais de amenas conversas, que era algumas das vezes, e por exemplo, a mesa que ocupávamos e tendo o Sr. Pedro ao nosso lado. Sempre de pé junto a nós. Convidava-mo-lo a sentar-se a nossa mesa mas ele nunca aceitava sentar-se… assim como não aceitava partilhar do que lhe oferecíamos.
– “Vai uma tirinha de choco, Sr. Pedro?... Prove que está delicioso? “ – Oferecíamos-lhe, de vontade.
Mas o Sr. Pedro preferia o seu queque e o seu galão… ou em alternativa ao galão um tisanazinha, no sossego do seu cantinho que ficava a não mais que dois metros da nossa mesa… Mas ele sozinho.
E de quando em vez lá o assolava a nostalgia e a tristeza (a saudade que vinha chorar aos seus olhos e no seu coração)… Eram alturas em que invariavelmente ele vinha ao nosso encontro… aproximando-se da nossa mesa… e recordo: era o seu olhar no nossos olhar e o nosso olhar no seu olhar…
Um seu olhar que, além da saudade, nos trazia a sua voz. E: 

– “Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau”

Era como que uma maneira de nos agradecer e gratificar pelo carinho com que sempre o acolhíamos, e a consideração e o respeito que por ele tínhamos.


Pintura Africana
Imagem recolhida da net
(Vitrais Africanos) 













Nem sempre era esta a canção que nos cantava… às vezes eram as suas próprias canções – canções que havia composto em tempos, enquanto músico que foi e que ainda se sentia (compositor e interprete de mornas cabo-verdianas)… E também enfermeiro-parteiro ele havia sido… E também treinador no futebol, ensinando jovens… E também embarcadiço. E além de homem de sete ofício, e artista, o Sr. Pedro era pai, avô e chefe de família.



Pintura Africana

Imagem recolhida da net

(Vitrais Africanos)
















Mas o Sr. Pedro tinha então cerca de oitenta anos de idade… e tinha a sua tez morena… Um cabelo farto, ondulado e negro e penteado da fronte para a nuca (talvez o pintasse…) E havia anos que o Sr. Pedro não visitava a terra onde sua mãe o dera à luz (a sua terra natal)… E então por isso que saudades – que saudades de Cabo Verde… E quantas as saudades só ele sabia dizer.



Pintura Africana

Imagem recolhida da net

(Vitrais Africanos)













Quando o Sr. Pedro reapareceu a seguir à doença, vinha naturalmente mais combalido e menos conversador... mas na mesma o Sr. Pedro simpático…
Não sabíamos como na intimidade do lar as coisas se passavam consigo... Não sabíamos com quem partilhava o chão, a mesa, a cama, o respeito e a generosidade que lhe ia no coração.
Mais tarde nova ausência do Sr. Pedro a sobressaltar-nos… – (pessoa que nós sabíamos ser doente, e sabendo nós também que de um momento para o outro outros males poderiam afectá-lo e debilita-lo mais ainda).

Piorou (calculámos). Estranhávamos… e sentíamos também a sua falta.
Com alguma preocupação perguntámos ao Sr. Manuel (o proprietário da cervejariazinha) se sabia a que se devia a ausência do Sr. Pedro.
Cuidámos que fosse-mos surpreendidos com uma má notícia. Não foi boa a notícia, mas também não foi a pior notícia:
O Sr. Pedro está doente e de cama… E não sei se o voltaremos a ver por aí… É que já lhe custa muito sair à rua.

Entristeceu-nos saber que o nosso amigo não estava bem.
Sentimos vontade de o visitar. Mas não sabíamos onde ele morava nem conhecíamos, fosse quem fosse, familiar ou amigo, que nos fornecesse dados que nos permitissem chegar junto do Sr. Pedro.
Soubemos entretanto que a sua morava ficava apenas a uma centena de passos de onde nos encontrávamos habitualmente e convivíamos (nesses tempos em que víamos o Sr. Pedro ainda com uma relativa saúde). Apenas ficámos a saber que vivia perto… só isso, e sem pormenores.

Os dias passavam. E do Sr. Pedro nem um sinal…
Nunca chegámos a saber exactamente onde ele morava.
Entretanto andámos por uns tempos por outras paragens… Outros rumos e caminhos haviam dado fé dos nossos passos: o longe; o perto; as horas que passamos a modelar ao nosso jeito (como um outro jeito) como se elas fossem uma massa argilosa... E os lugares: o aqui; o ali; a bússola dos nossos dias e do nosso tempo

Ao voltarmos, tivemos a sensação de que já não havia quem falasse no Sr. Pedro. Mas isso (essa sensação) não era o que era certo: era apenas uma vaga e irreal sensação. 


Havia-mos ganho uma certa afeição pelo Sr. Pedro…
Havia em nós uma saudade da sua piedade, do seu respeito, das suas atenções… Das suas gargalhadas quase mudas que ele soltava pelo meio das histórias que nos contava, e que quase lhe cortavam a respiração, fazendo-o debruçar-se sobre a nossa mesa e firmando as mãos abertas sobre o tampo… e depois com a sua ternura e ainda a sorrir: “Ai ai… Desculpem lá isto, meus filhos.
Mas eram também, noutros momentos, as suas lágrimas – isto quando eram aquelas histórias em que sentimentos mais profundos delas emergiam, e o punham inconsolável.

Mas se tivéssemos procurado o S. Pedro, será que ainda chegávamos a tempo?
Chegámos a pensar que Já não encontraríamos quem nos falasse dele (a tal sensação que não era o certo…  Que havia sido apenas uma vaga e irreal sensação). 

Da vez seguinte que entrámos na “casinha de pasto” (a “nossa” cervejariazinha), não nos foi suficiente a coragem para perguntarmos pelo Sr. Pedro… Receámos que, em vez da resposta: “Ah!... o Sr. Pedro já vai saindo e já vai aparecendo por aí…”, ouvíssemos o que mais nos entristeceria. 

Saímos da cervejariazinha (Cervejaria Alentejana) e, mudos… sem uma única palavra pronunciarmos, perguntámos directamente ao Sr. Pedro:

 


M. Gama Duarte / 2015

(Cenário)

Título: Miragem - 4 
– “Que é feito de ti, Sr. Pedro?... Onde estás
neste momento?...
Será que Já com Deus,
lá em cima,
no último piso do Universo?...




















M. Gama Duarte / 2015
(Cenário)
Título:
Miragem - 5 
























M. José Gama Duarte
                                                                                     
03 de Outubro de 2011







Foto (1)









Foto (2)


Foto (3)







Foto (4)


















Nas fotos 1, 2, 3 e 4:

Cesária Évora

Fotos encontradas na net e que aqui apresento (cópia) em homenagem à cantora, a título de invocação e simbolicamente assumindo a forma de um fraterno abraço à sua memória.






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