Húmus Do Silêncio…
Ou:
Como
que…
num
destino pendular
M. Gama Duarte /
2016
(Instalação / Cenário)
Título:
Dos húmus do silêncio
Plano 1
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M. Gama Duarte /
2016
Titulo:
O céu no encontro da paisagem - 1
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Orlando já não é homem novo…
Hoje ele olha para
as suas mão e repara que a pele já não é a pele dos seus vinte e dos seus
trinta.
(Certo é que Orlado
nunca foi de manter grandes cuidados com a pele…). E desse olhar sobre as suas
mãos até dar conta de que os punhos da camisa avantajadamente lhe cobrem os pulsos é um ápice. Mas nada neste
último particular em que reparou ele encontrou de estranho… Ou seja: aos seus
olhos não é estranho que os braços há muito não lhe cresçam… pois é natural que
a quem quer que seja os braços não cresçam em semelhante idade…
Por outro lado,
a camisa que Orlando veste é de bom tecido e por essa razão o contacto com a
água não lhe encurta o tamanho.
Todavia os punhos
da sua camisa ganharam já um certo arruçado… O relógio de pulso que um amigo de
longa data lhe ofereceu como prenda de aniversário faz atrito no punho esquerdo
e os efeitos do sal da transpiração,
com o tempo, vão ganhando algumas proporções.
A camisa abre-se-lhe
também um pouco a meio do peito porque ao vesti-la de manhã um botão saltou e o dito jamais
regressará sozinho ao sítio.
Vai em três
anos o tempo que já deu de uso àquela sua bonita camisa. De entre as demais da “colecção” que tem no seu guarda-fatos é a preferida… e a que mais vezes vestiu até hoje.
Orlando sempre preferiu camisas assim
às listras em tons de escuro...
Comprou-a no
Porto, num Centro Comercial (lembra-se bem ao pormenor dessa compra). Era a
única que havia daquele modelo e padrão. Por sorte era o número que lhe servia.
A funcionária da
loja retirou-a do expositor da montra; Orlando experimentou-a (gostando de
se ver ao espelho com ela); pagou o preço marcado na etiqueta e saiu radiante
com a sua mais recente aquisição.
…
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M. Gama Duarte /
2016
Titulo:
No esquecimento - 1
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M. Gama Duarte /
2016
Titulo:
No esquecimento - 2
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M. Gama Duarte /
2016
Titulo:
No esquecimento - 3
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M. Gama Duarte /
2016
(Instalação / Cenário)
Título:
Dos húmus do silêncio
Plano 2
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E hoje ali vemos Orlando (que o
facto não é caso para admiração…). Ali se sentou na esplanada daquele pequeno
café de bairro. (É o bairro para onde há anos se mudou após se ter casado. E lá constituiu família).
Hoje calhara ali, naquela
esplanada, Orlando encontrar-se a só consigo próprio.
O tampo das
mesas (mobiliário novo) é de um tom cinza claro, e ao centro apresentava-se um
estampado que anunciava uma marca de refrigerante que não faz parte dos da simpatia
de Orlando Não foi logo à chegada que Orlando deu atenção à imagem colorida que
se apresentava ao centro sobre o cinza claro de fundo do tampo da mesa a que se
sentara… mas apercebera-se nitidamente depois a que produto se referia a
publicidade… e apenas através de uma ponta da facha publicitária que espreitava
por debaixo da folha de papel onde ele ia fazendo apontamentos à medida que as
ideias lhe saltavam.
Orlando bebia um café que havia
pedido sem se ter esquecido de recomendar que lho trouxessem bem quente e servido em chávena
de vidro grosso.
…
M. Gama Duarte /
2016
(Instalação / Cenário)
Título:
Dos húmus do silêncio
Plano 3
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Passara o tempo, e entrementes o
que restava do café havia arrefecido… E, à parte, ainda uns resquícios de tosta,
salpicando o pires de loiça, que os pardais em redor foram cobiçando, e que Orlando,
a certa altura, boamente lhes dispensou.
Entre a folha de papel e a ponta
da esferográfica de Orlando, não raras vezes se esboçam solitários e expressivos traços…
fazendo estes lembrar a forma como se expressam
os espíritos caloiros nos primórdios do conturbado percurso lectivo da existência e da Universidade da Vida…
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M. Gama Duarte /
2015
Titulo:
Abandono
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M. Gama Duarte /
2016
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Mas Orlando
tem as fieis pedras da calçada que não rejeitam os seus passos… e assim Orlando vai caminhando… e caminhando… Caminhando sempre.
Orlando tem agora à sua direita
a baía (poetas, historiadores, fotógrafos, cartógrafos, ambientalistas e demais
especialista, denominam esse santuário natural de O Sapal).
M. Gama Duarte /
2015
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Avista-se de
todas as suas margens um antigo moinho de maré que ao largo existe desde o
século XV. É sobre esse leito (de reserva natural) que assentam os alicerces do
antigo moinho. E relativamente aos sapos, são mais as vezes que Orlando os ouve
que as vezes que se exibem aos seus olhos… E, por outro lado, a Orlando
dão especial prazer os momentos em que concede alas aos seus sentidos (atento
de olhos; atento de ouvidos; atento todo ele
num estonteante galopar de Pégaso)…
…É o acordar das
manhãs, o acordar das tardes… o cada anoitecer… E a expectativa (ou o esperar com
a certeza de que…) de uma serena lava
de aguarelas sobre a qual se animam os tons de rosa dos bandos e mais bandos de pelicanos que graciosamente vão
chegando à baia… E o mais a ver é o enigmático e incontornável espelho de água,
que à vista tudo nele se reflecte, ou
se vai repetindo.
…
M. Gama Duarte /
2016
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Orlando tem as pedras da calçada
que não rejeitam os seus passos… e lá vai ele subindo… subindo.
À sua direita
a baía. E de quando em vez um arrepio doce
na alma que lhe faz desejar que a calçada seja mais íngreme ainda para que o
seu eu se demore mais um pouco na ascendente
peregrinação…
…
Há dias em Lisboa, lá para os
lados da Estefânia, Orlando pensava (e partilhou verbalmente esse pensamento
com a sua mulher, que o acompanhava):
– “Caminhamos… vamos caminhamos sobre os
passeios desta nossa cidade-natal… (somos gente – somos pessoas…). E vamos
andado… e vamos parando ora aqui ora ali… (nos passeios é normal caminharem as
pessoas…). Mas os mesmos passeios também os partilhamos com as árvores. No nosso
caso vamos andando… e mesmo que paremos retomamos o trilho da nossa caminhada… Ao
contrário, as árvores ficam para traz… – as árvores permanecem porque têm o seu
lugar fixo nos canteiros onde se habituaram a crescer, e vivem.”
…
Artur Duarte /
2015
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Orlando demora-se na
peregrinação… (à sua direita a baía…).
Talvez a
calçada afinal se tivesse tornado mais íngreme...
Ele olha a copa
dos plátanos e dos aceres (já foi verde a folhagem dos plátanos e dos aceres…).
A folhagem pinta-se agora de um ocre dourado… e lentamente vai pingando a
folhagem.… E a tarde ganha cor… e ganha
ao mesmo tempo uma outra luz …
A calçada talvez verdadeiramente
se tivesse tornado mais íngreme…
Orlando vive o
momento de então como se sobre ele – sobre esse momento – se tivesse derramado
um certo princípio de eternidade, e de uma nova ordem das coisas... E o céu é um amplo cenário… o cenário dos plátanos e dos aceres.
M. Gama Duarte / 2016 |
M. Gama Duarte
Crónica escrita a 11 de Dezembro de 2011
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