Cesina Bermudes
e os
Bebés-Cesina
Um
testemunho
Conheci a Dr.ª Cesina
Bermudes no ano de 1986.
Como médica – e no exercício
da sua especialidade (obstetrícia) – foi ela que acompanhou as duas gravidezes
da minha mulher (Rosa Maria Duarte).
E, no final dos nove meses de gestação de cada um dos nossos dois filhos, foi ela
também, a Dr.ª Cesina Bermudes, a parteira que clinicamente os ajudou a virem à
luz.
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Dr.ª Cesina Bermudes
(Foto encontrada na net)
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As mãos generosas, sábias,
experientes e expeditas da Dr.ª Cesina Bermudes, foram assim as primeiras mãos que
directamente tocaram os nossos dois rebentos (o Daniel e o Artur).
Tive o privilégio de
assistir a esses dois maravilhosos momentos porque, prévia e oportunamente, a
Dr.ª nos informou, a mim e à minha mulher, sobre essa irrecusável possibilidade.
E assegurou-nos que a oportunidade era impar… E a mesma mensagem Cesina a transmitia
a todos os pais. E mais lhes dizia: o
pai, além de assistir, na medida do possível deve ao mesmo tempo ajudar ao
parto. E foi o que veio a acontecer quando, a convite da Dr.ª Cesina,
chegou a vez de eu ter as minhas duas oportunidades.
Após equipado e
esterilizado, lá fui ao lado da Dr.ª Cesina, acompanhando os seus passos, até ao
interior do bloco de partos da clínica. E no momento certo, compenetrado, sereno
e ciente da importância do acontecimento, prestei a minha colaboração.
* * *
Todo o processo era conduzido
zelosa e criteriosamente pela Dr.ª Cesina, sendo-lhe prestado todo o necessário
apoio pela equipa de enfermagem que na altura se encontrasse ao serviço.
E quanto ao papel que me
foi incumbido, sob a orientação da extraordinária médica tive nas minhas mãos
alguns dos instrumentos que ela veio a utilizar no decorrer de ambas as suas intervenções
como parteira... E hoje, recordando esses belos momentos, posso afirmar que de facto
colaborei (apesar da colaboração por mim prestada não mais ter sido que simbólica…
pois a responsabilidade que me tocara era a de simplesmente ir entregando nas
mãos da D.ª Cesina, um a um, à medida que mos solicitava, os necessários instrumentos
que me confiara).
* * *
A Dr.ª Cesina Bermudes tinha
o seu consultório, e residência, a dois passos da esplanada onde desde há um
quarto de hora tranquilamente me encontro. E aqui, e neste preciso momento, sobre
simples folhas de papel vão surgindo as primeiras palavras e as primeiras
linhas desta minha crónica.
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M. Gama Duarte / 2016
Motivo:
Arvoredo das Avenidas Novas
(Lisboa)
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Até hoje várias vezes aqui
me sentei, nesta esplanada, debaixo deste arvoredo gigantesco (imponente) que me vai refrescando com as suas largas sombras.
E por aqui (sentado), ponto por ponto, vou modestamente dando alinhamento a
tudo o que, para lembrança, acabará por ficar registado sobre os pedaços de
papel que as minhas mãos vão desencantando ora nos bolsos, ora no meio da
eterna barafunda reinante no interior da velha pasta que sempre me acompanha
nestas viagens ou nestas peregrinações.
* * *
Sempre que aqui volto, gosto
de ter a oportunidade de me sentar a esta mesa… faz-me bem sentir o aconchego
que ela me proporciona… e por isso a esta mesa me habituei… e para aqui imbico com a simples certeza de que o que procuro,
e encontro, é simplesmente a tranquilidade e o recato desde amplo espaço ao ar
livre.
Todavia, não obstante a
circunstância de me encaminhar para esta esplanada, a paragem é por um período
de tempo que não só não determino (não lhe deito contas), como, sem dúvida, será
breve. Prosseguirei a minha peregrinação… como bom e legítimo filho que sou desta magnífica cidade…
(nasci alfacinha…). Porém não fui (não
sou) mais um de entre os tantos Bebés-Cesina…
Não que tenha nascido cedo de mais para que pudesse ter tido semelhante
privilégio… Muitos alfacinhas, antes
e depois de mim, nasceram Bebés-Cesina…
* * *
Mais minuto menos
minuto, levantar-me-ei desta cadeira. Transferir-me-ei para outra paragem. Lugar que me espera - que me espera inteiro na companhia dos meus papeis, das minhas
esferográficas, lapiseiras, e dos meus pensamentos (das minhas ideias e
recordações). Lá me irei recolher e lá darei prosseguimentos a esta minha
crónica… Lugar esse (um outro) que
fica mais perto do lugar onde pela primeira vez vi a Dr.ª Cesina Bermudes.
* * *
… E finalmente nesse Lugar:
o N.º 185 da Av.ª Elias Garcia (A Sereia
– Restaurante Cervejaria). Retiro onde
chego e me sento… – me sento bem (nos restaurantes e cervejarias sempre gostei
de me sentar em bancos altos alinhados a uma distância do balcão de mais ou
menos palmo e meio… – isto quando se dá o caso de o cliente desses bancos dispor
– pois ninguém desconhece que hoje em dia, infelizmente, em poucos restaurantes
e cervejarias ainda sobrevive esta tradição dos bancos altos disposto a uma
distância do balcão de mais ou menos palmo e meio...
Na foto:
Imagem fotograficamente captada do painel cerâmico existente na
parede de fundo do restaurante “A Sereia” (Lisboa).
Foto permitida, por gentileza, pelo Sr. Miguel.
... E é este o lugar (o banco alto que me esperava e
que se distancia do balcão cerca de palmo e meio). Lugar que venho a encontrar
aquecido só por nele ter pensado antes como um lugar onde me sento bem… Mas também
um lugar onde me sinto bem… Onde também bebo e como bem… Onde penso bem… e
escrevo.
E sentar-me-ei no
primeiro banco… logo à entrada… E aí ficarei
todo o tempo… e geograficamente mais perto de onde outrora a Dr.ª Cesina
tivera o seu consultório e a sua residência: Av.ª Santos Dumont – a “dois passos” de distância deste lugar
onde em vários sentidos me sinto confortável… e um lugar quase no coração da
cidade…
Volta e meia levanto-me,
como que num deixar descair o corpo, para me caminhar até à porta que fica a três
passos do banco onde me instalo… E acendo um cigarro (mas não sou grande
fumador…).
Por vezes encaro com um
outro fumador (talvez mais fumador que eu) que também procura a porta pelos
mesmos motivos que eu a procuro… e que, com os seus particulares tiques, não
muito diferentes dos meus, igualmente queima um cigarro… E pontualmente chegamos
a uma curiosa, ou trivial, troca de palavras (uma circunstancial conversa) – o
que não deixa de ser reflexo do bom ambiente presenteado pela casa.
E dali olho à esquerda e
os meus olhos alcançam ainda uma esquina do majestoso e emblemático Jardim da Fundação
Calouste Gulbenkian, e ainda uma boa poção da avenida que o ladeia do lado da
entrada principal… A saber – se que há quem ainda não o saiba: Avenida Calouste
Gulbenkian (Lisboa).
E mais uma vez, em
directo dos arquivos da minha memória, ressaltam as estimáveis lembranças que
guardo da Dr.ª Cesina Bermudes… E penso: se neste momento ousasse pôr-me a
caminho, percorrida que estivesse a distância de dois quarteirões para lá daquele
troço de avenida, daria comigo defronte da porta do prédio onde outrora, após
um simples toque no botão do 1.º andar, era previsível ouvir a voz Dr.ª Cesina
Bermudes a perguntar:
– “Vai subir ou quer que eu desça?”
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M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 1)
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A Dr.ª Cesina amavelmente
recebia no seu consultório a minha mulher e as outras senhoras grávidas. E logo
que se manifestassem os sinais de que o esperado momento estava próximo, podiam
as grávidas contar com a Drª Cesina qualquer que fosse o dia, e a qualquer hora
que fosse da manhã, da tarde ou da noite.
A Dr.ª Cesina era uma
profissional inteiramente comprometida – de corpo e alma – com o exercício da
sua profissão… Pois assumia e executava o seu trabalho com profundo sentido de
missão.
Era com notória, mas
modesta e discreta satisfação, que a Dr.ª Cesina dizia que todas as mães se
tornavam suas amigas após serem assistidas e acompanhadas por si até ao
nascimento dos respectivos bebés (os chamados bebés-Cesina).
* * *
Eu e a minha mulher havia-mos
recebido as melhores informações da Dr.ª Cesina. E assim – por conselho e indicação de quem muito bem nos havia
falado da Dr.ª Cesina – chegámos ao seu encontro.
Recordo-me bem das vezes que tocámos à campainha da residência e consultório da Dr.ª Cesina. Algumas dessas vezes aconteceram por volta das
três e meia da madrugada. E duas dessas aquando precisa e verdadeiramente se manifestaram na Rosa Maria (minha mulher) os sinais da entrada em trabalho de parto. A residência e consultório da Dr.ª Cesina Bermudes era o 1.º andar de um prédio na Av.ª Santos Dumont.
Surge-nos então, através do intercomunicador, a voz
da Dr.ª Cesina… Cesina nestas ocasiões sempre reagia com a perfeita noção da
importância de cada minuto e de cada segundo – noção apoiada na sua ciência, disponibilidade
e prontidão a que nos habituava: o sentido prático; o pragmatismo… a argumentação
por vezes lacónica, mas clara e denotando-se no global das suas atitudes uma solidariedade e afecto que
nos sensibilizava e conquistava (era certo que nos inspirava uma especial
confiança)… e sendo também uma das suas qualidades a capacidade o saber ouvir… E esta sua maneira
de ser, e estar, implicava o dispor de uma boa parte do seu tempo em benefício
do seu próximo.
E como eu dizia, nessa tal
madrugada, por volta das treze meia, ao nosso ouvido chegava, através do
intercomunicador – que não tardou dar sinal –, a voz da Dr.ª Cesina. E as suas
palavras simplesmente foram as seguintes:
– “Desço já!”.
A sua intuição
certamente a havia informado que no caso era para descer. E quase nenhum tempo nos
fez esperar – apareceu passados escassos minutos… e cumprimentou-nos com um atencioso,
sobejo, e sonoro Boa Noite… E replicou:
“Vamos lá!”. De seguida avançou diante
de nós num regular e enérgico ritmo em direcção ao táxi que aguardava.
(Conhecíamos-lhe já, desde sempre, aquele jeito da passada
curta e frenética).
De mão certeira e rápida
accionou o manípulo da porta traseira do táxi e abriu-a:
– “Boa noite Sr. Motorista… e com licença!” – disse. Entrou e sentou-se.
E eu e a minha mulher entrámos a seguir e acomodámo-nos.
E de novo se fez ouvir a
voz de Cesina:
– “Sr. Motorista, é para a Clínica Cabral Sacadura rapidamente,
por favor…Esta senhora entrou em trabalho de parto e eu sou a médica dela”.
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M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 2)
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A Clínica Cabral
Sacadura localizava-se (e localiza-se ainda hoje) na Av.ª António Augusto de
Aguiar, perto do Parque Eduardo VII, em Lisboa (o percurso é um saltinho e praticamente a direito… – isto
à parte os condicionamentos normais impostos pela sinalização de qualquer meio citadino.
E a certa altura, já a
meio do percurso, a Dr.ª Cesina dá novas e precisas
instruções ao motorista do táxi:
– “Sr. Condutor, vá em frente!”
E o condutor do táxi, atento
ao trajecto, reagiu advertindo:
–“Sr.ª Dr.ª:, em frente não posso… é trânsito proibido”. Impunham-se
claras restrições.
E Cesina insistiu:
–“Não faz mal Sr.º motorista… vá em frente, que é mais rápido…”
Mas o taxista, mantendo
a devida prudente, alude aos possíveis riscos de desobedecer à sinalização instalada:
–“Oh S.ª Dr.ª, então e a polícia”?
E Cesina de novo insiste,
argumentando:
–“Não se preocupe, Sr.º motorista… siga em frente… é à minha
responsabilidade… E além disso os polícias a esta hora estão todos a dormir”.
* * *
A Dr.ª Cesina era um ser
humano que reunia em si características verdadeiramente únicas, incluindo um
sentido de humor explícito que se harmonizava com os aspectos mais sérios ou
objectivos. E este equilíbrio revelava-se até no que de mais simples fazia
parte do seu dia-a-dia.
Pouca ou nenhuma
diferença lhe fazia ser de dia ou ser de noite. Ela dizia: “Durmo quando tenho sono, e quando posso
dormir”. Argumento do qual se extraía uma noção e filosofia de vida que
assentavam no princípio de que acima de tudo se devia observar, e levar à
prática, o que tinha de ser feito de bom independentemente da hora do dia ou da
noite.
E nesse tempo, conhecendo
nós a Dr.ª Cesina como já a conhecíamos, não nos surpreendemos aquando daquelas
vezes, a horas desertas (a meio da madrugada e no silêncio), lhe fomos tocar à porta
e a encontrámos a pé. (Porém, ainda à distância, ao entrarmos na rua, tinha-mos
dado conta da presença de luz nas vidraças do seu consultório)…
… Bem como não nos
surpreendemos quando numa dessas vezes à conversa, e já a caminho da clínica, com
muita simplicidade e espontaneidade ela nos informou:
– “Deixei a arrefecer uma panelinha cheia de sopa que acabei de fazer há
pouco”. (Seria nessa altura também umas três e meia da madrugada).
* * *
Cesina era de uma
franqueza enternecedora – traço do seu modo de ser que não era incompatível com
a sua determinação e firmeza que natural e pertinentemente se impunham e se
faziam respeitar. A par destes aspectos da sua personalidade, outros se
evidenciavam que tinham a ver com a sua simplicidade e as suas resoluções
práticas.
Achava-mos graça, por
exemplo, aos lembretes que ela improvisava, a partir de pedacinhos de papel
escritos à mão, e pendurava como que num estendal em miniatura junto à
fechadura da porta do seu apartamento. E, relativamente à condução, ela tinha a
sua carta mas sentia gosto nos seus percursos a pé… e era esta a forma como
normalmente se deslocava.
Porém, conhecendo-se
todos, ou apenas parte dos aspectos marcantes da personalidade e da vida da Dr.ª Cesina Bermudes, significa que se sabe que a Dr.ª Cesina Bermudes foi
uma mulher de vanguarda… Vista sempre nas linhas da frente nas lutas em prol da
garantia dos direitos humanos. Por exemplo foi da boca da Dr.ª Cesina que pela primeira vez ouvi falar de Bio-Ética.
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M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 3)
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– “As minhas clientes acabam por se tornar minhas amigas” – dizia
Cesina. E connosco não poderia vir a ser diferente. Por isso passámos a visitá-la
de tempos a tempos. E sempre que possível levava-mos connosco os nossos dois
rapazes.
Eram visitas que
agradavam a Cesina, e ela agradecia. Além da prova de estima e amizade que para
ela essas visitas representavam, os reencontros com as crianças que lhe tinham
passado pelas mãos ao virem ao mundo, clara e naturalmente lhe proporcionava
satisfação. E parte dessa satisfação relacionava-se com a oportunidade de acompanhar
e avaliar o desenvolvimento dessas mesmas suas
crianças.
Sempre que a
visitava-mos tínhamos prazer em lhe levar uma pequena lembrança. Sabia-mos as regras: deveria ser algo simplesmente
simbólico. Mas no início não deixou de ser tarefa delicada decidir qual a oferta a levar à Dr.ª Cesina (acertar com a
prenda que seria mais do seu agrado)…Pois não nos poderíamos esquecer daquele seu
aviso: “Não se preocupem com prendas,
porque eu não preciso de nada”.
Contudo creio que, ao fim
e ao cabo, ela receava fazer-nos alguma desfeita não aceitando nada. E um dia
condescendeu e revelou-nos.
– “… Para que fiquem a saber, uma coisa que eu
sou é gulosa… Gosto de chocolates!... Portanto se fizerem questão de me oferecer
alguma coisa podem trazer-me chocolates que eu aceito… e se forem chocolates da
“Toblerone”, melhor ainda… – é o presente perfeito para mim”.
* * *
A Dr.ª Cesina Bermudes
era de uma invulgar cordialidade, e de uma verticalíssima serenidade.
A minha mulher durante
os períodos de gravidez não faltava às consultas de rotina de obstetrícia que
marcava no Hospital de Santa Maria.
Era em Santa Maria que, através
do Sistema Nacional se Saúde, Rosa Maria fazia todos os exames e todas as
análises necessárias ao normal acompanhamento de uma gravidez.
A Dr.ª Cesina tinha
conhecimento e concordava plenamente com esse acompanhamento complementar no
hospital, achando-o sensato e de absoluta utilidade (portanto indispensável).
– “A Rosa faz muito bem!...” – comentava a Dr.ª Cesina.
E quando Rosa Maria lhe
falava dos procedimentos que tomava segundo as recomendações do obstetra do
Hospital, Cesina atentamente ouvia e com a cabeça ia acenando que sim. E era evidente a sua postura de
respeito pelo desempenho dos seus colegas de profissão, não pondo em causa as
suas orientações e conselhos.
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M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 4)
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Todavia Cesina no espaço
do seu consultório reservava-se-lhe lugar, e legitimidade, para a sua palavra. E sempre que no seu
entender se justificasse algo acrescentar, abertamente dava as suas indicações e
conselhos:
– “Faz muito bem, Rosa!… Claro que sim… – como o médico do hospital lhe disse que deve fazer está bem… Mas também será bom que faça o seguinte…”
– e então seguiam-se as recomendações de Cesina.
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M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 5)
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M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 6)
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Nas fotos-Selfie:
Ao cento (imagem central) desenhos de Almada Negreiros publicados
no Livro MATERNIDADE - 26 desenhos de Almada Negreiros (texto de Ernesto de Sousa), editado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda na colecção colecção arte e artistas.
Em baixo, a aparecer à direita, tela de 2016 pintada a óleo, da autoria
de Rosa Maria Duarte.
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Tela de Rosa Maria Duarte /2016
Título:
Liberdade
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Cesina revelava-se aquela
pessoa que mantinha uma compostura ética exemplar… E adorava o seu pai.
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Dr. Félix Bermudes
(Foto encontrada na
net)
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O seu pai, o Dr.º Felix
Bermudes, foi a sua principal referência. Ele foi um homem notável. E Cesina no
seu consultório, na parede por detrás da cadeira em que se sentava à sua
secretária, tinha uma fotografia do seu pai em estilo retracto e em tamanho
real.
…
Há dias voltei à net com
intenção de revisitar (reler) as informações que em tempos já havia encontrado
sobre a Dr.ª Cesina. Não só localizei as informações que já conhecia como dei
conta de que algo mais era possível encontrar sobre a Dr.ª Cesina.
É certo que não sou
grande navegador nestas águas (a net):
a mão foge-me facilmente do leme… e as
velas da minha insignificante embarcação (ou exígua jangada) ficam de banda…
Denotando tais dificuldades que a minha mestria muito deixa a desejar.
* * *
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A minha mãe (Maria do
Rosário Duarte) tive-a até aos seus 95 anos.
Recordo-me nitidamente de
que ela se orgulhava da sua longevidade… Mas nunca ela acreditando que chegasse
a viver tanto tempo (95 anos).
…E em cada vez que
alguém lhe perguntava a idade, a sua resposta centrava-se apenas na data do seu
nascimento (25 de Outubro do ano de 1916)… Dizia-o e repetia-o com firmeza, sem
que a voz o mais tenuemente se lhe embargasse… e sem a mais breve dúvida ou
hesitação… E era como se de tudo o mais se tivesse esquecido (mas lá da data certa
do seu nascimento, isso não!... – a data não se lhe havia varrido da memória).
Na Foto:
Maria do Rosário Duarte,
nos anos 80, sob a copa do limoeiro que existia (e talvez ainda exista) no
quintal da cave que ela habitava no N.º 26 da Travessa das Almas – Lisboa
(prédio actualmente remodelado).
O facto de Maria do
Rosário ter a data do seu nascimento bem fixada, e de a repetir, talvez em si
fosse a forma prática e infalível de revelar a idade que tinha…Poupando-se
assim ao esforço de somar todas as primaveras
vividas.
Também Maria do Rosário sabia
(naturalmente o sabia) que o lugar, a
hora, o dia e o ano do nascimento, são factos que se unem em testemunho relativamente
a um acontecimento irreversível. E se erro não apresentar o que ficou escrito no
registo para memória e certificação futura, é só fixar-se o lugar e a data
constante da página pessoal do registo. E, de resto, é fazer-se as contas.
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* * * * * *
Numa crónica que
intitulei “Mães Grandes”, em parte inspirada na minha mãe mas onde falo em geral na figura da mãe (escrita em
12/12/2011), obrigatoriamente teria que incluir a pessoa da Dr.ª Cesina
Bermudes (também ela foi uma Mãe Grande).
Exemplos de Mães Grandes também existem na pessoa de
mulheres que foram (ou são) Mães Grandes
mesmo sem o seu corpo alguma vez ter dado à luz… E inclui-se nesse imenso grupo
de mulheres a Dr.ª Cesina Bermudes.
É impossível falar da
Dr.ª Cesina Bermudes sem um enorme sentimento de gratidão. Para além da sua
evidente competência profissional (atenta, conhecedora e resoluta, a que acrescentava
os seus métodos prático, carinhosos e eficazes), era notável a sua agilidade
intelectual.
Contudo exprimia com
simplicidade a sua flexibilidade e capacidade de cedência à opinião do outro, como, por exemplo, era o caso da palavra
que saía da boca futura mãe.
Perguntava a Dr.ª
Cesina:
– “Então, minha filha… tem feito como eu lhe disse?” – referindo-se a
Dr.ª a uma determinada indicação no âmbito do acompanhamento clínico que estava
a fazer à grávida em questão. E caso a grávida respondesse que não tinha feito rigorosamente
daquela maneira mas sim de um jeito, um pouco diferente, ao qual melhor se
adaptava, Cesina por segundos detinha fixamente o olhar na mulher que tinha à
sua frente. E após avaliar conscienciosamente o que havia ouvido da boca da
futura mãe, comentava:
– “Também está bem da forma como você fez”.
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Dr.ª Cesina Bermudes, em jovem
(Foto encontrada na
net)
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A Dr.ª Cesina Bermudes,
como antifascista que foi, manifestou-se em oposição à ditadura implantada em
Portugal antes de 25 de Abril do ano de 1974, e, em consequência disso, passou
algum tempo presa. Porém, a Dr.ª Cesina dizia que não lamentava os tempos
passados nos calabouços da polícia política (pelo contrário…) E justificava o
facto de não lamentar esse tempo com o seguinte sentido (positivo) da provação:
– “Até nem foi mau… – acabei por
arranjar clientela entre as reclusas”.
Por todas as razões considero que a Dr.ª Cesina Bermudes foi uma das inúmeras Mães Grandes deste mundo.
A Dr.ª Cesina Borges Adão Bermudes nasceu no dia 20 de Maio do ano de 1908 em Lisboa. E no dia 09 de Dezembro do ano de 2001 deixou-nos para, em merecida ascensão, viajar até ao lugar onde em espírito descansam todos os que na Terra nobremente cumpriram a sua missão a bem da humanidade.
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Nossa Senhora grávida
(imagem encontrada na net)
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Havia quem intitula-se a
Dr.ª Cesina de a parteira dos pobres.
E, em verdade, factos se conhecem que fundamentam semelhante denominação –
factos indicadores da sua generosidade e singular desapego relativamente aos haveres materiais.
E a dr.ª Cesina, já com
setenta e tal anos de idade, ainda acalentava o projecto de atravessar o
Atlântico, rumo a Cabo Verde, para aí dar a conhecer, e ensinar, o parto sem
dor. E ajudar as mães.
Esta crónica é uma
simples e pessoal homenagem que presto ao grande ser humano (a grande mulher) que
foi a Dr.ª Cesina Borges Adão Bermudes.
E é pouco o que nestas linhas
deixo registado, comparativamente com o muito que fica por dizer, relativamente
à maravilhosa experiência que eu, a minha mulher e os nossos filhos, tivemos com
a Dr.ª Cesina Bermudes, e ao privilégio que foi o termos com ela convivido.
M. Gama Duarte
01 de Maio de 2016