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MENSAGEM AOS VISITANTES DO BLOG
Saúdo todos os que acedem a este meu Blog, venham ou não, de futuro, a tornarem-se visitantes habituais do mesmo.
Apraz-me contar com todos neste espaço de partilha.
sábado, 14 de fevereiro de 2015
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Titulo: A janela Materiais: Aguarela, guache e pastel Suporte:Papel |
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M. Gama Duarte Título: Firmamento |
Não!... – não me cansei das paisagens
Olho
e vejo aquela parede branca,
e é como se nela olhasse o infinito...
Nunca assim tinha olhado para uma parede
branca!...
Quem sabe
se foi desta vez que enlouqueci (?)
Mas o infinito
de tudo
é senhor :
tudo tem
(ou talvez nada tenha…)
Os
loucos… – esses também tudo têm
e
tudo sabem…
ao
mesmo tempo que nada têm
e
nada sabem…
Mas
eu…
Eu
não me cansei das paisagens...
… E não me dão sono
os crepúsculos
nem as fontes sob o luar
ignoram a minha sede…
E eu…
afinal
talvez acredite
que o infinito de tudo é senhor.
… E aquela parede branca,
por tudo ter
e nada ter,
come de mim…
… Devora-me os olhos!...
mas nem assim
me cansarei das paisagens.
M. Gama Duarte
12-08-2007
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
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M. Gama Duarte |
Alentejo
… E que haja azul… Que haja céu…
(o céu cura todas as cegueiras)…
… e as árvores que se agacham para que lhes
chegue aos ramos mais altos
Quando chega o momento em que
verificamos que as coisas à nossa volta nos surpreendem de forma inabitual, passamos
a sentir maior necessidade de escrever as nossas memórias.
Os primeiros sinais dessa necessidade,
são por vezes momentos em que nos invade uma inexplicável tristeza – tristeza que
ao princípio confundimos com frio; confundimos com uma fina agonia; confundimos
com uma atrofia da garganta quando queremos falar… – aquele pontapé nos rins
que atira connosco, às vezes, para a lama da solidão. Mas nem sempre assim
acontece…
…
Estrada
Nacional em direcção ao Sul (os primeiros quilómetros).
Passando
Setúbal, mais umas dezenas de quilómetros e: eis que chegamos (itinerário já
conhecido e quase cumprido automaticamente há mais de dúzia e meia de Outonos…)
… Tenho pressa de chegar sem que por
isso me apresse… Imprecisamente vou somando os metros e os quilómetros
de asfalto que vejo a ficarem pelo caminho… – a perdê-los de vista sempre que o
meu olhar se prende por segundos no espelho retrovisor… (não tenho desta vez a
responsabilidade do volante, e posso entregar-me livre e ociosamente à contemplação
de tudo… – ou de quase tudo) …
…E
o meu olhar corre também pelos hectares e hectares de planície… e vem-me aos
soluços, a cada metro e a cada quilómetro, uma vontade de me apear e ficar por
aqui e ali debaixo de uma oliveira, ou debaixo de um sobreiro… ou,
alternadamente: umas vezes debaixo de uma oliveira e outras debaixo de um
sobreiro… E, logo a seguir a esta vontade, vem-me uma outra vontade: a vontade de
mergulhar a ponta dos dedos no pêlo compacto das ovelhas em rebanho que, pelas
vastas planícies, vão passando o tempo pastando … E, ainda neste embalar-me,
vem-me a vontade de ficar sentado de ombros encostados à cal das fachadas de
taipa das casinhas térreas, isoladas e perdidas no meio dos montes… – vontade de
ficar ali – por um momento – entre o branco e o azul, a sentir crescer em mim o
desejo de acarinhar tudo o que tenho vindo, com saudades e ao longo de anos, a conservar
no calor dos interstícios do meu espírito…
… Cuidados
para que esse reduto (restos) não se dissolva
entre os véus do esquecimento… E também o desejo de me apaziguar para que em
mim se dilua um insólito susto … E
esse apaziguar-me conta com a ajuda do meu olhar sobe as coisas que me
acompanham nesta calma urgente…
… Mas
às vezes já não cumprimento as oliveiras e os sobreiros daquela maneira que me sossegava na certeza de que me ouviam… Não
sei se uns e outros (oliveiras e sobreiros) hoje em dia esmorecem ao notarem em
mim algumas diferenças… (é verdade que vamos mudando…).
Tenho
a certeza de que as oliveiras e os sobreiros aproximar-se-iam fisicamente de
mim se o pudessem fazer… (é verdade que creio
que se aproximariam de mim…) e lá viriam elas e eles, soltos e com o seu ar graciosamente
tosco (tão naturais…) e autónomos: raiz-ante-raiz… reduzindo-se cada vez
mais a distância entre mim e elas e eles (oliveiras e sobreiros…) e eu sentado
à sombra, expectante… E, já à minha beira, auscultar-me-iam com aquela sua ternura
e simplicidade:
–“Que
tens?... Que se passa contigo hoje?... Porque estás ai tão sozinho e imóvel?...”
…
De
novo o meu olhar a percorrer hectares e hectares de planície…
Já
mais a Sul… e no lazer da manhã de hoje (mais um dia, e: um domingo).
Vejo
famílias… E crianças trepam de joelhos para as cadeiras de zinco das esplanadas
da vila… – cadeiras pintadas de um verde escuro.
(Grândola).
Tomamos
aí, numa dessas esplanadas, o habitual café da manhã. Empurro o gosto do café até
que se plasme na minha alma com a ajuda de um cigarro acesso entre os dedos que
me arrefecem... (está frio).
Há
crianças e há pombos… e há o azul… e há a cor da paz entre os meus olhos e a
copa das árvores… e estas (as árvores) a não se mexerem com medo que elas
próprias perturbem tudo isto… ou seja: medo de mutilarem esta paz. Mas as
árvores são pacíficas, e a sorte é que haverá sempre paz em algum e qualquer
lugar do mundo enquanto houver crianças a treparem de joelhos para as cadeiras
de zinco das esplanadas das vilas, das aldeias e das cidades… estejam essas
cadeiras de zinco pintadas de verde escuro ou de outra qualquer cor. E, ao
mesmo tempo que isto, mais pombos e mais azul… e as copas das árvores sem fazerem
sequer um gesto… (na mesma silenciosas
e irrepreensíveis).
…
À minha frente o meu espelho … o meu desdobramento; a
duplicação de mim; a minha cara-metade de há duas dúzias de anos (a minha
mulher) … e é boa esta eternidade.
… E
além mim; além ela… (além nós) – pelo caminho
– o Além-Tejo; o Além-Sado; o Além-Arrábida…
Cada
alongar do olhar sobre o azul é um titânico passo além mim: além de Lisboa;
além do Tejo; além da Arrábida; além do Sado…
Os passos mais seguros são os que são
dados sobre o céu… – mais seguros que os que são dados sobre as pedras, sobre
os areais, sobres os musgos, sobre os húmus, ou sobre as ervas rasteiras dos
campos… (é esta a minha
experiência, e a minha palavra…).
…E
quanto mais céu, tanto melhor – não importa onde se esteja: que haja azul; que haja céu… (o céu cura
todas as cegueiras)…
…
(A
Sul)… E a nostalgia em que me diluo neste
tempo, ora presente, ora anacrónico…
…
Olho
as árvores deste pomar: ei-las… (elas reconhecem-me… – pois já somamos uns
tantos e bons anos de relação em confiança…), e até me parece que elas se
agacham para que eu lhes chegue aos ramos mais altos… – poem-se a jeito à semelhante
dos cachorros quando esperam receber sobre o dorso o afago da mão de um humano que
deles se aproxima e debruça.
Mas
as árvores não são tão expressivas assim a revelarem os seus desejos e a
agradecerem os afectos… Não pulam para nós como os cães, nem se roçam às
canelas e às barrigas das nossas pernas como o fazem os felinos de estimação...
…
Toco
nas árvores do pomar para lhes colher os frutos… Mas não vejo o rosto das árvores…
(As árvores não têm cara… por isso não têm olhos… As árvores, neste particular,
são distintas dos animais e dos humanos… Assim sendo, não podemos ver as
árvores chorando de comoção e de saudades… mas sei que elas choram…, e quase
juro que as ouço dizerem-me baixinho: “volta…
não te esqueças de que estamos aqui… Não te esqueças que existimos…” – isto
as árvores falando-me ao ouvido, e agachando-se para que eu lhes chegue aos
ramos mais altos.
M. J. Gama Duarte
18
de Dezembro de 2011
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M. Gama Duarte |
As árvores que se
agacham para que eu lhes chegue aos ramos mais altos
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
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Foto (autoria): M. Gama Duarte Lugar: Reguengos de Monsaraz |
“Carta”
…
“Ao fundo do corredor nocturno que se estreitava, de um lado uma
janela através da qual se solenizavam os seus perfis… do outro, uma janela
através da qual se observava a Lua – uma Lua deslumbrada… e que pendia nua, fresca,
madura, tímida e eterna…”.
Com estas palavras iniciaria
uma carta (talvez uma carta). Depois não sei… não sei a quem imaginaria
enviá-la a alguém… Pois tudo era imaginação.
Mas só se ali me retivesse esperando a serenidade da
noite… – (pois a noite trás consigo segredos novos e múltiplos mistérios, os quais se revelam no caminho a que ela
(a noite) nos obriga a percorrer entre a novidade, o que julgamos saber, e as expectativas
das quais não desistimos…
E se aqui me retivesse, pois,
com o tempo, revelar-se-iam (ou não) segredos novos e múltiplos mistérios. Mas entre esses (segredos e múltiplos mistérios)
apenas alguns dos já confidenciados pelos poetas aos ouvidos do "oculto".
E se assim fosse (se aqui
me retivesse), continuaria a minha redacção:
“Confiante, avancei na
noite em direcção à janela iluminada, ou em direcção a uma terceira janela, que
talvez existisse. Talvez me tivesse aproximado da tal terceira janela, que afinal
existia, e esperei que dessem pela minha presença.
(Eu olhava-os…)
Por fim olharam-me também,
e esperei que me convidassem… E convidaram-me:
– Anda... chega-te aqui
a nós… Tiveste sorte: apareceste ainda a tempo de nos acompanhares na sétima rodada deste “licor de
artemísia”.
… Timidamente
fui-me aproximando.
Brindámos... e foi-me
permitido que, tranquilamente, prolongasse o prazer de sentir no céu da minha
boca a mistura do hálito ao licor de “artemísia”
com o odor às emoções que ainda se libertavam dos mais intensos versos escritos por
aqueles poetas".
M. Gama Duarte
1998
“O
Iceberg”
(… e a luz que trás o silêncio)
– … Sim!... é um café, por favor – (confirmou).
– Normal ou curto, caro senhor?
– Indagou o funcionário (este desconhecia o nome do cliente, e por isso – e também por um dever de respeito – tratou-o por caro
senhor)…
… E se para o cliente for importante, o café que lhe servirem será um café personalizado (ao seu gosto e à sua
vontade).
E de quatro hipóteses possíveis o cliente escolherá uma: ou chávena
cheia, ou meia chávena, ou chávena a três quartos… ou mesmo só o princípio… Ou antes pelo contrário:
sem o princípio…
… E já está: O café… – o eflúvio sacramental na festiva inauguração
de mais um dia igual, ou de um dia diferente dos outros dias. E não sendo o cliente o mais importante de tudo, talvez o café o seja... - seja o mais importante…
O cliente vai desfrutando do aroma, do paladar, e de um certo silêncio trazido pela luz… – um
espectáculo protagonizado por essa luz a oferecer-se num Outono que, com um admirável
jeito, se disfarça de Primavera…
De resto: os pensamentos… as sensações… Ou brisas que provocam o
primeiro movimento do iceberg performativo
que assume o papel de jangada de fuga que leva o
pensador sentimental em cruzada flutuante para um horizonte próximo... E cativo de uma sisma de confiança em planos protectores muito pouco ortodoxos, mas algo transcendentes. Conforma-se o navegador/personagem... E confinado também ele se encontra à lógica de uma legítima estratégia
de sobrevivência.
E no avanço e recuo das
horas, o cliente (e personagem) mede
o tempo pelo bocejo das gaivotas…
… E olha ao alto... – Um
olhar que arrasta as nuvens e adivinha as marés…
O cenário é então azul (um
tão azul)… o azul total – (o palco celeste).
Enquanto bebe o café ele “pergunta as horas” a ninguém (nem a si próprio)...
– pergunta essa que fica a sobrevoar a redoma do seu silêncio… e espera, sem presas,
a resposta das gaivotas.
M. Gama Duarte
29-10-2010
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
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Pintura Sem título Materiais: Aguarela, pastel, carvão, tinta da china Suporte: papel |
O imanente e o inesquecível
(Crónica)
Naquela tarde Lúcio, em pensamento, recordou aqueles tempos:
“Bem me lembro… era sempre por esta altura do ano (no princípio de Dezembro) que, mais dia menos dia, à conversa com o meu amigo Gonçalo ele me contava a sua ida, dias atrás, ao mercado da vila… ou dizia-me que em breve por lá passaria e de lá viria com o cabazinho do costume atestado… E tudo o que trazia se destinava já aos festejos de Natal partilhados em casa e em família…”.
Nesses tempos que Lúcio recordava, Gonçalo ainda vivia para os lados da Ericeira, mas frequentemente se deslocava a Lisboa.
Quando em conversa vinha à baila a tal corrida ao mercado da vila – o que já era tradição –, mais uma vez ficava reforçada a certeza de que o amigo Gonçalo se mantinha um rapaz organizado e precavido, abastecendo-se a tempo de tudo o necessário, e convenientemente. Diferente de outros que, sem emenda e repetindo o mesmo descuido dos anos passados, guardam tudo para “a última hora”, e que, por assim ser seu costume, se metem em embaraços…
Lúcio tinha ainda consigo um livro que o seu amigo lhe emprestara no início do ano transacto – isto após o Natal, e precisamente durante um jantar que o amigo Gonçalo oferecera aos seus mais íntimos e chegados: familiares e amigos do peito.
No dia a seguir a essa noite, ainda de madrugada, Gonçalo viajaria rumo a Salamanca. Tinha já as malas aviadas, e planos bem definidos em mente que pretendia concretizar num período que iria pouco além de um ano.
Quanto ao livro emprestado pelo amigo – uma magnífica e obra de Eduardo Lourenço –, Lúcio já o tinha lido e relido – o que lhe valeu um dilatar de horizontes, e uma oportunidade de se debruçar, detalhadamente, sobre certos aspectos da pintura até então quase invisíveis a seus olhos.
– “E agora quando te devolvo esta relíquia, oh Gonçalo?… Não sei se terei oportunidade de ir a Salamanca no próximo ano…” – Foram estas as palavras de Lúcio, preocupado, ao pegar no livro (naquela obra prima) que Gonçalo lhe estendia a título de empréstimo. E Gonçalo, com a habitual ironia e gentileza, comentou:
– “Fazes bem se fores a Salamanca… Mas recuso-me a imaginar que lá apareças expressamente para me devolveres o livro… Que apareças (isso sim!) com o objectivo de me visitares e conheceres melhor a cidade…”.
A primeira vez Lúcio visitou Gonçalo em Salamanca foi no mês de Abril do primeiro ano de permanência do amigo naquela cidade. E três meses antes do regresso de Gonçalo a Portugal, Lúcio volta a Salamanca para o visitar segunda vez.
Porém, a meio do projecto que levara Gonçalo a permanecer durante quase dois anos na cidade de Salamanca, surge uma oferta de aluguer de casa na cidade de Guarda, que Gonçalo acha irrecusável.
Gonçalo mudar a sua residência em Portugal para aquela cidade mais a Norte.
As notícias sobre si e o seu trabalho em Espanha, passaram, principalmente, a saber-se no círculo de amigos que deixara em Portugal por intermédio da sua mulher Josefa.
Josefa vinha frequentemente a Lisboa para estar com familiares e amigos. E meses volvidos sobre a partida de Gonçalo para Espanha, Lúcio passou a perguntar de vez em quando a Josefa:
– “Então o Gonçalo quando regressa?... não se saturou ainda de estar longe?” – pergunta a que Josefa respondia da seguinte maneira:
– “Não é tão longe assim, Lúcio… Mas ele está prestes a dar por cumpridos os seus compromissos… O projecto é bom, o trabalho corre bem… e não tem havido contratempos... E lembro-me de que o Gonçalo me disse que lhe escreveste e lhe contaste os encontros que tens tido com o Lauro Telmo…”
Lúcio confirmou o envio dessa carta a Gonçalo de que lhe falava Josefa:
– “É verdade… vi o Lauro uma vez na Primavera passada e outra já no Verão sem que pudesse falar-lhe. Só da terceira vez que o vi podemos falar (um acaso)… – um acaso agradável depois de tantos anos… Tínhamos perdido o contacto um do outro… Estive com ele uma quarta vez, e estes encontros têm sido a oportunidade de revivermos aqueles bons tempos… aquela camaradagem: as tertúlias que fazia-mos na adega do “ti Antero”… E esses encontros (eu e o Lauro), servirão para aliviarmos nostalgias”.
Pois Lúcio, na carta que escrevera a Gonçalo, havia-lhe contado:
– “Pois caro Gonçalo, da primeira vez que vi Lauro Telmo, não houve possibilidades de nos aproximarmos... Eu viajava de eléctrico em Lisboa na carreira 28, e ao passar na Baixa Chiado, ali ao Camões, avistei-o ao longe a atravessar a Rua Garrett em direcção ao café “A Brasileira”. Isto à noite, e no início de Junho… Estava um tempo esplêndido para usufruir da animação exterior… Saí duas paragens a seguir porque o propósito que me levava aquela zona da cidade (o Bairro Alto), era assistir com a minha mulher, a mais uma palestra na Galeria Matos Ferreira que fica mesmo ali ao princípio da Rua Luz Soriano, nas bandas do Calhariz.
E no primeiro fim-de-semana de Julho desse mesmo ano (2007), revelava-me o destino que em si mesmo estava escrito que mais uma vez (a segunda vez) não era o momento de um reencontro face a face com o nosso amigo Telmo. Vimo-lo sem que ele nos tivesse visto. E estava-mos relativamente perto dele. Mas a deslizante onda de multidão, curiosa e entusiasmada, ao sabor da qual éramos levados, travava uma constante luta contra o nosso desejado reencontro…
O caso ocorreu desta vez em Tomar durante a tradicional e popular Festa dos Tabuleiros que naquela cidade se realiza de quatro em quatro anos.
E veio a ser este ano (2008), numa tarde de Sábado no CCB, a terceira vezes que vimos Lauro Telmo desde que tu, amigo Gonçalo, partiste para Salamanca cheio de expectativas e fé… E nenhumas dúvidas de que lá fluiria toda a inspiração necessária ao avanço do teu projecto cinematográfico.
Nesse dia em que vimos Lauro, era fim-de-semana o decorria no CCB o anual Festival de Música, que desde há alguns anos tem vindo a privilegiar a cidade de Lisboa com a presença de importantes nomes e importantes obras…
Tinha-mos então, eu e a minha mulher, acabado de assistir a um recital de piano e canto, e, já no exterior do edifício, descíamos a escadaria de pedra que termina no átrio amplo que comunica com a rua. Dali mesmo, da escadaria, e antes de pisarmos o último degrau, observávamos um apreciável adjunto de pessoas que formava uma espessa cintura à volta de cerca de uma dúzia de pitorescos personagens trajados a preceito. Cada um deles envergando seu instrumento musical que primorosamente tocavam.
Telmo misturava-se naquela pequena e animada multidão. De entre a assistência, alguém (uns poucos) – presumivelmente os mais desinibidos e foliões – já haviam saltado para perto dos músicos e, gordos de genica, dançavam. Iam conquistando espaço para mais livremente darem expressão aos seus movimentos – os quais se impregnavam daqueles sons que brotavam dos bombos, tambores, pandeiretas, violinos, flautas, pífaros, gaitas de foles… e sei lá que mais...
Avancei rompendo a cintura humana que delirante sorria, batia palmas e baloiçava a cabeça ao compasso da música… Toquei no ombro de Telmo e falei-lhe efusivamente. Arranquei-lhe assim um escancarado sorriso ao encarar-me depois de se virar. E soltou logo de imediato um sonoro “Oh pá!!!... tás porreiro”. Abraçamo-nos de forma espontânea… solta. Não destoando de forma alguma os nossos modos no meio da animação que reinava, e do clima geral de um excepcional entusiasmo.
Guardámos as recordações e as novidades para o momento seguinte – momento esse logo combinado para a noite desse mesmo dia.
Jantámos juntos por ali perto… num restaurante antigo nas traseiras da Rua de Belém, que tem uma magnífica vista para o jardim e o Tejo.
– Sabes que vi a Dulce?... Lembraste da Dulce…(?!) – a Dulce Filipa” –Surpreendeu-me Telmo.
Todos, os do nosso tempo (dos tempos das tertúlias) conheceram a Dulce. Vagamente eu me lembrava dela… Mas sabia que havia sido sólida a amizade entre a Dulce e o Telmo. Dulce até veio a ser madrinha de baptismo do primeiro filho de Telmo. Mas de pouco me lembrava do princípio e do evoluir da amizade entre os dois. Mas senti que Telmo fazia questão… tinha sincera vontade de falar dos tais velhos tempos.
Eu a minha mulher e o Telmo, passámos quase todo o jantar em conversa animada. Falando de tudo o que foram as experiências comuns e do rumo que cada um dos que fizeram parte daquele grupo coeso, tomou na vida. E falámos também dos novos tempos: Flávio abraçou a docência; Carlos é actor… faz frequentes viagens ao estrangeiro e participa em eventos cuja motivação é o intercâmbio de experiências e conhecimentos na área das artes teatrais; Marília seguiu agronomia e fixou-se no Ribatejo numa herdade que lhe deixaram os avós, e aí se dedica a um projecto de produção e comercialização de produtos biológicos; Bárbara Reis, interessada em antropologia, após a formatura nem um ano se segurou por cá… e hoje mantêm um lugar de relevo na UNESCO; Leonor escreve regularmente num jornal diário do Norte… faz traduções e é autora de dois romances de razoável sucesso; Leonardo sempre se interessou por velharias, e continua louco por carros. E então alugou uma oficina e dedica-se a recuperar carros antigos; Anselmo herdou a pequena tipografia do avô em Coimbra… dedicou-se aos livros, é alfarrabista, e é editor; o Arnaldo, fã da culinária, fez percurso nessa especialidade e já conhecem metade das cozinhas de Portugal; Anselmo terminou o conservatório… dá aulas de música e é proprietário de um restaurante em Évora, com condições que permitem a realização de espectáculos e a apresentação de edições de autor de jovens valores na área das letras; Dulce singra na pintura”.
Dulce havia oferecido a Telmo um convite para a inauguração da sua próxima exposição, que por acaso era no Sábado da semana seguinte… Telmo propôs-nos que fossemos com ele.
Mas foi para Telmo um momento particularmente alto durante o jantar quando de novo veio à conversa o recente reencontro que teve com Dulce, e exteriorizou:
– É verdade, … imagina bem vocês!... – isto passados uns doze anos...
Tinha-mos perdido completamente o rasto um do outro (por culpa minha … e sempre me doeu o facto de ter sido por culpa minha…). Mas também sempre acreditei que um dia o reencontro aconteceria… – seria meio acreditar e meia esperança. Mas cumprimentámo-nos com se nunca tivesse existido entre nós aquele interregno dos tais aproximadamente doze anos… quase foi como se o nosso anterior encontro tivesse acontecido apenas há meses…
… Eu e a Dulce conhecemo-nos quando ambos estudávamos restauro na Fundação Ricardo Espírito Santo, aqui em Lisboa. Lembro-me da primeira vez que lhe falei – foi para lhe pedir um x-acto emprestado. Frequentávamos então o mesmo curso e éramos colegas de turma. Ela morava no Bairro da Mouraria, e praticamente desde que soubemos que morávamos perto um do outro, após as aulas, passámos a fazer juntos, e a pé, o caminho de regresso às respectivas casas. Foi o princípio de uma simpatia que evoluiu rapidamente para uma amizade sólida. Pouco tempo depois comecei a frequentar a sua casa. Era uma casa nada comum comparada com as casas tradicionais a que eu estava habituado… – era uma casa que reunia muita gente; havia quase sempre visitas; era um ambiente onde facilmente se proporcionava conhecer uma nova cara. A Dulce e o filho (o André), que tinha cinco anos e meio de idade, viviam em casa do Vasco e da Aurora (pais da Dulce). Vivia também na mesma casa o Frederico – o irmão de Dulce… este mais novo que Dulce.
… A amizade com Dulce foi para mim uma ponte para novas amizades… e Juntei a essas minhas novas amizades, antigas amizades – estas últimas, por sinal, boas mas muito poucas… conseguidas em momentos distintos da minha infância, adolescência e início da juventude…
– O nosso reencontro merece um brinde amigo Telmo – considerei.
– E bebamos também à reafirmação da nossa amizade de quase vinte anos – reforçou Telmo.
E Telmo continuou:
“– Então juntamo-nos no Sábado na exposição da nossa amiga Dulce?... Tenho um convite, como sabeis… posso levar amigos. Ela vai lembrar-se de ti e da tua mulher (nossa amiga também).
A galeria é em Évora… ou melhor: as telas encontram-se no espaço das exposições na Fundação Eugénio de Almeida. Ah!... e outra coisa que não cheguei a dizer-vos: A Dulce associou-se há tempos com o Orlando, e entendem-se lindamente no negócio do tal Restaurante que ele abriu em Évora (o tal restaurante de que há pouco falámos). Podemos combinar sair daqui juntos, bem cedinho, no próprio dia... ainda a tempo de almoçarmos com a Dulce. P’ra isso eu telefono-lhe…
Telmo olhava-nos bem disposto e atento. E percebeu pela expressão dos nossos rostos que aprovávamos, sem reservas ou hesitação, o seu plano. E reagiu com redobrada boa disposição:
– Óptimo. Assim sendo, falaremos ainda a meio da semana que vem… Certo?...”
Josefa continuava atenta a reprodução oral, quase perfeita, da carta que Lúcio havia escrito e enviado a Gonçalo. E Lúcio continuou:
“E terminei assim:
Caro Gonçalo. Não poderia esquecer-me de te dizer que também falámos de ti… porque também relativamente a ti, o Telmo perdeu o contacto.
Mas ficou a saber que estás em Salamanca, e manifestou interesse em conhecer as tuas produções no âmbito desse universo fascinante e mágico que é a Sétima Arte.
Um abraço,
Lúcio"
M. J. Gama Duarte
Obs. Narrativa de ficção inspirada em vivências reais, e dedicada à minha família, aos amigos, e a todos aqueles com quem tem sido possível uma convivência em clima de camaradagem, fraternidade e respeito.
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