M. Gama Duarte 81 Sem título Desenho, pintura e colagem (técnica mista)
Na sombra de luz
de um certo luar de Vézac
Tinham
chegado já tarde. A lua já alto (bem alto…)
… E
o céu ali (parecendo-lhes tão perto): tão próximo como longínquo: sério e pleno
– tão pleno quanto o melhor de si: imanente… e como fundo ideal para o mais belo da luz; para o mais belo dos brilhos… – aquela luz e aquele
brilho que, assim como eram, só mesmo as estrelas…
Para
trás, a uma distância imensurável em tempo e espaço concretos, uma experiência
que deixara um inabitual rasto de silêncio, de aceitação e de compaixão (para a
compreensão de certas verdades, usarmos exclusivamente as faculdades próprias da
inteligência, ás vezes é pouco (um reduzido recurso)… e só a sabedoria nos faz
chegar à razão e nos permite reconhecer as iluminadas respostas.
Tinham
chegado já tarde. A lua já alto (já bem alto…).
… E
o céu ali (parecendo tão perto): tão próximo como longínquo…
Eles
prescindiam de um discurso elaborado a custo de palavras… – substituíam-nas pela
percepção de um remanescente calor que lhes ficara – um especial calor experimentado
na palma das suas mãos… – Um calor que benignamente ainda permanecia como que grudado
à aura de um e do outro, e que lhes tocava o peito…
Recordavam
o tal momento, revivendo-o então em memória: momento-memória: recém-nascido…
A prece e, enfim, a celebração… e o louvor à Vida… à VIDA!... (os anjos
haviam regressado pelas mesmas escadas de
ouro por onde haviam descido dos céus…
e haviam regressado sozinhos, porque, para aquela que haviam visitado, ainda
não era chegada a hora… (o supremo divino
a poupara)… Milagre?... “Ressurreição”?... – o que em verdade
havia sido era um segredo à guarda do destino.
… Na
sombra de luz eles falaram da fé…
Fé que
é alimento e sustento da esperança.
Fé
que se revela em expressão colectiva – a fé que move montanhas, a fé que
alimenta peregrinações. Falaram da fé individual que se vive em solidão, e em
silêncio – a fé que se identifica como um sinal de que, em compromisso com algo
de valor superior em que se acredita, se vai trilhando o caminho.
… Mas
a fé vivida em comunhão (em partilha), inspira-nos pensamentos que nos vão revelando,
e convencendo, de que na luz é a forma
de estar que permite a todo o ser humano encontrar a melhor maneira de se pacificar
com o próximo e com o mundo.
Por
fim, serena e Intuitivamente, eles fecharam os olhos… (já sabiam que fechar os
olhos é ficar vigilante). Centraram-se em si
próprios – num eu/essência e num nós/essência… num eu (e nós) com um certo sentido de totalidade)... um eu (e nós)
alcançados por recompensa no culminar de uma fuga em processo audacioso de libertação dos contornos que limitadamente
identificam o ser humano no plano corpóreo mais densificado…
… Nesse
processo audacioso de libertação entregamo-nos na conquista de um eu, ou de um nós, impessoal… sem limites... Apaga-se neste sentido a percepção visual
e palpável dos nossos contornos físicos… e é o encontro (ou reencontro), por
fim, com uma auto-proposta de
individualidade alternativa que pressupõe a auto-projecção
num plano que se traduz, num certo sentido, em “trans-dimensão”…
E é
a renúncia, a ruptura, a repulsa e a negação das reacções e relações egóicas de
sobrevivência – efeito oposto ao efeito de espelho (banidas que sejam as comuns fraquezas narcísicas).
É certo
(ou imaginação) que às vezes temos a sensação de que não nos queremos ver, outras
de que não queremos encontrar-nos em lugar
algum, e ainda outras de que não nos
reivindicamos em nenhum espaço ou cultura temporais.
Mas
podemo-nos observar… E essa atitude de auto-observação podemos assumi-la como um
exercício valioso e consequente…
Qual
o lugar das nossas necessidades comuns neste plano físico que classificamos de tão real?...
(Em
vez de uma resposta pode surgir o espanto perante a descoberta de mais uma ilusão… E é neste dilema, quase
enigma, que encaramos tudo como que mergulhados na única “realidade”… (o sermos de facto alguma coisa, mas finita
segundo o entendimento mais ao nosso alcance, num âmbito e num domínio a que nos
habituámos).
…
Às
vezes o Isolamento…. outras vezes o retiro!…. – (não solidão) – e questionamos: onde estamos?... quem
somos?... o que valemos?...
Cultiva-mos,
por vezes, o isolamento (somos nós o retiro de nós próprios – é o que acabamos
por aceitar).
Cultivamos
a distância… – a distância versos absoluto – A “nossa obra-prima”: coisa/consequência
que depois orgulhosamente acarinhamos como coisa só nossa… (“… coisa
nossa que tanto trabalho nos dá”).
… E
quanto sofrimento por nós suportado no processo?!
... Tanto sofrimento que, calhando, não
é assim tanto. Mas se for (sofrimento), não será só nosso (é do mundo… e também será do divino que nos criou…
Quem
sabe?!...)
M.
J. Gama Duarte
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