Pintura
Sem título
Temática: A janela e a cruz
Materiais: Aguarela, pastel, lápis de cor e tinta-da-china.
Suporte: Papel
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Lauro
Telmo
e
a sua ecologia do silêncio
(Crónica)
– “O homem, a
tela… o silêncio.
… Sim: o homem… a
tela… Mas também o silêncio…
(triangular
combinação enigmática e alquímica)
E em cada vértice
seu elemento… E cada elemento em seu vértice afirmando-se em excelência”…
Falava assim (ou dizia) Lauro Telmo que, naquele
instante, em frente de um dos cavaletes que tinha sempre a postos, dialogava
com os seus botões no sossego do atelier onde pintava – atelier que se situava nas
águas-furtadas de um velho prédio do antigo bairro da sua cidade natal.
Mas um outro elemento avizinhava-se de visita (Lauro
Telmo sentia-o – reconhecia-o). E assim, a esses três elementos já presentes, juntava-se um quarto elemento: a Ideia, ou a inspiração; a graça, ou o mistério… (uma
ou outra coisa… – ou qualquer que ela
seja – numa quase perfeita simbiose).
Mas, qualquer que
seja o sentir no momento, o quarto
elemento precede o acto criativo no concreto, e confere ao acto uma espécie de (ou
um particular) sentido ecológico…
E assim decorre o
processo: um dos três vértices do triângulo imaginário abre-se (dissipa-se)… E Lauro
Telmo assiste à prodigiosa transformação daquela angular geometria. Gere-se uma
nova amplitude: agora quatro vértices em vez de três... Agora os quatro elementos em plena assunção… – uma
combinação entre sublimes afinidades,
e em solenidade e excelência.
“Agora o homem, a tela, o silêncio… e a
inspiração (ou a ideia… ou a graça, ou o mistério…)” – assim pensou, e é natural
que Lauro Telmo assim pensasse.
Chegado o momento, Lauro Telmo pode imaginar,
por antecipação, a obra concluída… – imaginá-la, enquanto realidade, de
constituição densa por efeito de sucessivas aplicações de camadas de óleo, de acrílico,
ou de outra qualquer matéria manuseável e que possua razoável plasticidade,
textura e intensidade de cor.
Por outro lado,
se for o caso de ser usada, no acto da execução (ou materialização da obra), uma
técnica mais leve que produza alguns e certos efeitos minimalistas, a tela
apresentar-se-á com consideráveis espaços privados de tinta, sem que essas
aberturas, ou ausências de matéria plástica, diminuam o valor final da obra.
Pois, em contraste, ou em alternância com os espaços em branco, pode ser riquíssimo o jogo harmónico e o equilíbrio cromático
e estético, produzido pelas pinceladas escassas e soltas (escassas e soltas, mas
precisas). E mesmo os espaços em branco
de que se fala, participam vigorosamente e com forte presença em tal composição…
E a obra final apresentar-se-á com uma surpreendente coerência… – uma coerência
que impera acima de qualquer rubor de conflitualidade entre cores, planos,
zonas do suporte que se mostrem em branco
(ou de reserva), contrastes, formas… etc.
E, concluída que
esteja a obra, Lauro Telmo pode aprecia-la, analisá-la, divagar ou dissertar, dispersar-se
em considerações em que terá presente conceitos sobre o sentido do abstracto, a
aplicação de técnicas variadas, a estética, as possíveis leituras no plano e domínio
do subjectivo ou do filosófico… (e outras possíveis considerações).
A relação de
Lauro Telmo com a arte era uma espécie de laboratório onde ensaiava emoções,
experimentava físicas sensações, onde redescobria as virtualidades e prazeres dos
seus sentidos e variantes da sua sensibilidade. E era também uma oportunidade
de estudo das probabilidades da inexistência de limites quando se viaja em
liberdade no espaço/tempo consagrado a toda a arte que o divino entende abençoar.
Lauro Telmo tirara
a claro uma conclusão (ou acreditava que
o havia conseguido):
A leitura simples e essencial das coisas não reduz a percepção e o
reconhecimento da beleza, da originalidade, da consistência estrutural e da
força vital e comunicativa do objecto ou
da obra artística… Ele passara a ver o simples
e o essencial aliados numa imperiosa
disciplina de economia que um particular e específico sentido de ecologia acolhia.
E em tudo, ao cabo e ao fim, expressa-se na
atitude ecologista a forma de economia mais pura e natural.
Nos tempos em que
Lauro Telmo ainda era criança, quando alguém dele se aproximava e lhe
perguntava o que queria vir a ser quando chegasse a adulto, ele tinha sempre a
resposta à saída da boca (que vinha do seu íntimo): “Quero ser pintor!”
Lauro Telmo teve
uma infância feliz. Conserva generosas recordações desses recuados tempos… – memórias
das fabulosas brincadeiras ao “faz de
conta” com que se entretinha… – brincadeiras que têm subtis raízes que se
alimentam da mais pura e singela inocência, fantasia, imaginação… e que se
alimentam ao mesmo tempo de uma cristalina percepção da essência do real.
Uma das mais
vivas memórias da sua infância é a memória de um mágico silêncio em que muitas vezes submergia…
Lauro Telmo, através da observação da arte mímica de Marcel Marceau, havia extraído a prova de
que tudo pode ser compreendido no seio do silêncio, e à sua transparência… – o que
equivale a dizer que o silêncio proporciona ao ser humano uma ímpar
oportunidade de percepcionar e compreender o que existe de profundamente mais
real no milagroso processo através do
qual se desperta para a beleza e para a natureza divina de cada ser, criatura, ou coisa.
Oferece-se por
ventura neste processo que atrai, não raramente, as substâncias dos sonhos, uma
realidade material menos palpável mas, sem dúvida, fabulosa e extraordinariamente expressividade.
Lauro Telmo ficava
fascinado todas as vezes que via pela TV os espectáculos de mímica de Marcel
Marceau.
Lauro Telmo bem
se recorda daquele dia em que a mãe, com um especial brilho, vivacidade e
ternura no olhar, serenamente lhe dissera: “Sabes, meu filho?... Entre as mãos e o
coração de Marcel Marceau, tanto cabe a pequena andorinha que se perde no azul do céu de um imenso deserto,
como cabe um enorme astro (um planeta por exemplo) que descreve a sua
trajectória na distante galáxia da qual é filho e à qual pertence”.
– “O quê, mãe?” –
quis Lauro Telmo entender... – perceber o que a mãe lhe havia dito daquela maneira
(com aquelas palavras) que o deixou deveras curioso, mas ao mesmo tempo confuso. Mas de seguida
a mãe explicou-lhe tudo de uma maneira mais simples, e Lauro Telmo então compreendeu.
M. Gama Duarte
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