Dia
da Mãe
Desenho de Almada Negreiros transposto da publicação
(livro):
MATERNIDADE
26 desenhos de Almada Negreiros
texto de Ernesto de Sousa / 1971
Colecção arte e artistas
IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA
Debaixo do céu onde se abrigam as roseiras
Lembro-me, mãe:
Perguntava-te
se era o sorriso do
palhaço triste
que fazia abrir, um a
um,
os malmequeres
que eu via crescer nos campos
e nos canteiros…
Mas,
mais tarde
– num tempo
em que já mal me pegavas
ao colo –,
às vezes quando me olhavas
eu fugia-te, rindo…
– fugia-te
tal como eu me via crescer a
teus olhos…
(… Fugia-te como se
desafiasse
a veloz corrida dos
Sátiros e dos Centauros
que habitavam todo o espanto
nos meus sonhos…)
Maravilhaste-te, mãe (calculo),
naquele dia
em que ergui os braços:
queria apanhar as pombas!…
(e quase lhes tocava…)
E surpreendi-me ao notar
o quanto eu havia crescido...
Eu estava no jardim,
e o vulto do meu rosto
e dos meus cabelos
sobrepunha-se aos
ramos das frondosas roseiras.
Fiquei depois a olhar
o céu,
e suspirei de fascínio
e prazer…
Fiquei, porém, alegre ao
mesmo tempo que triste...
e pareceu-me que não
precisava
de sentir o chão
debaixo dos meus pés
para que soubesse o quanto eu havia crescido…
… porque eu queria ser… – ser e crescer mais, e mais…
E comparei então a
minha altura
com o tamanho
de todas as outras
coisas que via
para além das roseiras…
Até o meu sorriso havia
crescido (reparei também…
- sim havia crescido!…
apesar da minha boca
continuar pequena…)
…E eram outras as minhas
palavras…
e eu sabia, por outro
lado, que o discurso das coisas
para mim havia também mudado:
era outra a maneira
como as coisas falavam
aos meus ouvidos;
outra a forma como as
coisas eram presentes
aos meus olhos, ao meu
cheiro, e ao contacto
com o meu corpo…
“Talvez no som com que
se exprime o silêncio,
esteja toda a
explicação para o infinito” – também eu hoje
acredito…
E pergunto:
– O que procurava eu
quando fixava o céu e
ficava alegre ao mesmo tempo que triste (?…)
Mas…
era o discurso das
coisas
que me explicava – ainda
sem eu bem o perceber –, o porquê de eu existir…
– porque eu sentia que
existia de verdade…
E, quando já não me
pegavas ao colo, mãe,
dizias-me
que tudo o que cabe no
coração
não é diferente, em
tamanho e pureza,
de tudo o que cabe
num sorriso!…
M. J. Gama Duarte
Poema escrito em 19 de Fevereiro de 2009
(Poema que ao tempo o dediquei à infância mas que hoje o dedico também a todas as mães).
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