Os cães de Leopoldo e Leopoldina
(Fabulação)
Os cães de Leopoldo e
Leopoldina não são de carne e osso … Os cães de Leopoldo e Leopoldina não
comem carne (nem roem ossos)… Não ingerem quaisquer tipos de alimentos, sejam eles
alimentos sólidos ou líquidos.
Nenhum dos dois cães
de Leopoldo e Leopoldina são desmesuradamente grandes… nem são exageradamente pequenos.
São cães bastante jovens,
e ambos da mesma raça… (embora a diferença entre eles, em determinados pormenores,
os faça bem distintos).
E esta questão das
diferenças tem um importante realce ao dar-mos atenção a certas características
físicas que exteriormente neles se revelam… Mas também nas características da anatomia
interna eles são bem diferentes um do outro.
Porém eles são
semelhantes na personalidade e nas atitudes: não ladram, e não são agressivos… (não
mordem).
Mas lá têm as suas coisitas como
quaisquer cães...
Leopoldo e Leopoldina
são os donos destes simpáticos cachorrinhos (seus amigos)… e aceitam-nos assim
diferentes dos demais cães…
… Um deles foi
escolhido por Leopoldo… (é claro: com a aprovação de Leopoldina...) o outro cachorro
não… Mas é como se esse outro igualmente tivesse sido escolhido por Leopoldo…
São dois bonitos cães
… E são afáveis; e são calmos.
Nunca deitam a língua
de fora. Nunca têm fome e nunca farejam… e nunca abanam a cauda… E não se
cansam (não correm nem saltam).
Ficam onde Leopoldo
quiser que eles fiquem. Mas, do lugar onde ficarem, não param de olhar para Leopoldo…
E assim permanecem durante o tempo que apetecer a Leopoldo... São cães sempre
obedientes.
Leopoldo sorri-lhes;
faz-lhes festas; conversa com eles…
Eles enternecem
Leopoldo e Leopoldina.
Ás vezes Leopoldo e
Leopoldina comovem-se com a prodigiosa fidelidade canina com que podem contar
por parte dos seus belos cães… – fidelidade que em muito se aparenta à
fidelidade canina dos cachorro normais (obviamente que falo – eu o narrador
desta história –, quando me refiro aos cães normais, dos cães que comem carne,
que roem ossos, que ladram, que correm, que saltam, que largam pêlo nos sofás nas
alcatifas nos tapetes e nas carpetes... e que bamboleiam a língua… e que de
cauda alçada nos canteiros rodopiam à volta dos troncos das árvores até que
encontrem a melhor posição para esguicharem um xixi).
Leopoldo e Leopoldina
um dia tiveram um cachorro desses tais cachorros normais (e muito gostaram
dele). Mas já foi há muito tempo.
Se hoje os cães de
Leopoldo e Leopoldina fossem desses cães normais, Leopoldo e Leopoldina não
podiam trazê-los nos bolsos… Nem pô-los em cima das mesas dos cafés, das
tabernas, das cervejarias, dos restaurantes, etc…. porque logo alguém,
indignado e inflexível, advertiria Leopoldo e Leopoldina… E pelo meio das
advertências, surgiriam invocações normativas… (As Leis, as regras, os princípios…
Todas essas coisas…).
Mas, à parte todas as
limitações e inconvenientes do viver em sociedade num mundo real e “civilizado”
– como este que temos e em que vivemos –,
Leopoldo e Leopoldina gostam muito do à vontade com que convivem com os seus
cães, e do à vontade com que os seus
cães convivem consigo… E nesta relação (de uns com os outros – a que se
habituaram) reflecte-se toda a simplicidade, naturalidade, e afecto incondicional
que os liga.
À noite Leopoldo olha
para os seus cães e puxa para o aconchego dos cobertores da sua cama o maior
dos dois. E este, embora o maior, não chega a ter de tamanho palmo e meio de
uma mão humana já adulta… e é este que fica, dia e noite, sobre o livro de
cabeceira de Leopoldo. E ali fica o bichano com o livro debaixo de si servindo-lhe
de pedestal e dia inteiro… (E que melhor pedestal poderia ele ter que não fosse:
“História de uma Gaivota e do Gato que a
ensinou a voar” de Luís Sepúlveda?).
E o bichano, já regalado
sobre os joelhos do seu dono e amigo, vai observando--o na leitura… E talvez
com vontade de lhe perguntar:
– “Então a história já chegou à parte em que o
gato ensina a gaivota a voar?”
E o bichano continua
a observar o dono e amigo Leopoldo até que o vê adormecer.
E então, a certa
altura, sob o olhar fixo e vigilante do seu amigo de quatro patas, Leopoldo pende
a cabeça e os óculos vão-lhe resvalando pela cana do nariz.
A companheira de
Leopoldo (a sua mulher: Leopoldina), ali a seu lado, não ilustra um género diferente
de leitor… … E ela aprova a amizade existente entre Leopoldo e o seu cão de
cabeceira – bichano que ao mesmo tempo é o guardião do livro do qual, tranquila
e gostosamente, Leopoldo retira o prazer da leitura até que o sono chegue para tomar
conta si.
Ao outro bichano, o
mais pequeno dos dois cães, Leopoldo trà-lo permanentemente no bolso do casaco
– este outro oferta de Leopoldina a Leopoldo em Dezembro passado (um presente
de aniversário).
E porque não, um
cão?.. Pois nem de perto nem de longe a Leopoldo alguma vez chegara notícia de
que os cães se haviam desentendido com os Centauros.
M.
Gama Duarte
12
de Janeiro de 2010
Ilustração de M. Gama Duarte / 2015
(Instalação /cenário)
Titulo: Leopoldo e Leopoldina
e os seus cães
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