O dia 20 de Julho foi o dia do amigo:
Dia internacional
da Amizade.
Estava na manhã desse dia – ainda nem 9 horas – de carro a caminho de Setúbal (em sentido
oposto… – digamos para Sul)... ao contrário do habitual em dias de semana… (pois era
Segunda-Feira).
Ouvia a rádio… e foi através de uma
das emissões radiofónicas do momento que soube que afinal existia um Dia Internacional da Amizade… (mais vale tarde
que nunca… – diz o povo).
Ainda nem 9 da manhã… (Um dia inteiro
pela frente…).
Pensei : tenho que escrever (ou
dizer) algo que venha a propósito…
Não o fiz no dia em que mais
oportuno era fazê-lo…
Faço-o hoje (22 de Julho do ano de
2015… Dois dias depois)
… E afinal o que hoje faço não é mais que reeditar a seguir um texto já por mim
publicado neste blogue no dia 4 de Fevereiro deste ano.
É uma crónica que manifesta uma
sincera gratidão… (provavelmente a crónica mais nostálgica que até hoje
escrevi… Ou uma das mais nostálgicas).
Além do amigo em quem pensava no
momento, outros (de entre os quais uns igualmente antigos e outros mais recentes) lhes juntaria…
Entre os recentes, novos amigos que conheci entretanto nos
ambientes do fado (Mouraria, Alfama, Bairro Alto…) juntaria.
Estes outros de que falo, ao lerem as linhas deste texto (se as lerem... - palavras do coração) perceberão que
subliminarmente a eles me refiro.
Um forte abraço para todos vós
(caros amigos).
M. Gama Duarte
22 de Julho de 2015
O imanente e o inesquecível
(Crónica)
Naquela tarde Lúcio, em pensamento, recordou aqueles tempos:
“Bem me lembro… era sempre por esta altura do ano (no princípio de
Dezembro) que, mais dia menos dia, à conversa com o meu amigo Gonçalo ele me
contava a sua ida, dias atrás, ao mercado da vila… ou dizia-me que em breve por
lá passaria e de lá viria com o cabazinho do costume atestado… E tudo o que
trazia se destinava já aos festejos de Natal partilhados em casa e em família…”.
Nesses tempos que Lúcio recordava, Gonçalo ainda vivia para os lados da
Ericeira, mas frequentemente se deslocava a Lisboa.
Quando em conversa vinha à baila a tal corrida ao mercado da vila – o que
já era tradição –, mais uma vez ficava reforçada a certeza de que o amigo
Gonçalo se mantinha um rapaz organizado e precavido, abastecendo-se a tempo de
tudo o que era necessário, e conveniente. Diferente de outros que,
sem emenda e repetindo o mesmo descuido dos anos passados, guardam tudo para “a
última hora”, e que, por assim ser o seu costume, se metiam em embaraços…
Lúcio tinha ainda consigo um livro que o seu amigo lhe emprestara no início
do ano transacto – isto após o Natal, e precisamente durante um jantar que o
amigo Gonçalo oferecera aos seus mais íntimos e chegados: familiares e amigos
do peito.
No dia a seguir a essa noite, ainda de madrugada, Gonçalo viajaria rumo a
Salamanca. Tinha já as malas aviadas, e planos bem definidos em mente que
pretendia concretizar num período que iria pouco além de um ano.
Quanto ao livro emprestado pelo amigo – uma magnífica obra de Eduardo
Lourenço –, Lúcio já o tinha lido e relido – o que lhe valeu um dilatar de
horizontes, e uma oportunidade de se debruçar, detalhadamente, sobre certos
aspectos da pintura até então quase invisíveis a seus olhos.
– “E agora quando te devolvo esta relíquia, oh Gonçalo?… Não sei se
terei oportunidade de ir a Salamanca no próximo ano…” – Foram estas as
palavras de Lúcio, preocupado, ao pegar no livro (naquela obra prima) que
Gonçalo lhe estendia a título de empréstimo. E Gonçalo, com a habitual ironia e
gentileza, comentou:
– “Fazes bem se fores a Salamanca… Mas recuso-me a imaginar que lá
apareças expressamente para me devolveres o livro… Que apareças (isso sim!) com
o objectivo de me visitares e conheceres melhor aquela bela cidade…”.
A primeira vez Lúcio visitou Gonçalo em Salamanca foi no mês de Abril do
primeiro ano de permanência do amigo naquela cidade. E três meses antes do
regresso de Gonçalo a Portugal, Lúcio volta a Salamanca para o visitar segunda
vez.
Porém, a meio do projecto que levara Gonçalo a permanecer durante quase
dois anos na cidade de Salamanca, surge uma oferta de aluguer de casa na cidade
de Guarda, que Gonçalo acha irrecusável.
Pintura de Rosa Maria Duarte / 2015
Título:
O Mar
Materiais:
Óleo sobre tela
|
Gonçalo muda a sua residência em Portugal para aquela cidade mais a Norte.
As notícias sobre si e o seu trabalho em Espanha, passaram, principalmente,
a saber-se no círculo de amigos que deixara em Portugal por intermédio da sua
mulher, Josefa.
Josefa vinha frequentemente a Lisboa para estar com familiares e amigos. E
meses volvidos sobre a partida de Gonçalo para Espanha, Lúcio passou a
perguntar, de vez em quando, a Josefa:
– “Então o Gonçalo quando regressa?... não se saturou ainda de estar
longe?” – pergunta a que Josefa respondia da seguinte maneira:
– “Não é tão longe assim, Lúcio… Mas ele está prestes a dar por
cumpridos os seus compromissos… O projecto é bom, o trabalho corre bem… e não
tem havido contratempos... E lembro-me de que o Gonçalo me disse que lhe
escreveste e lhe contaste os encontros que tens tido com o Lauro Telmo…”
Lúcio confirmou o envio dessa carta a Gonçalo de que Josefa lhe falava:
– “É verdade… vi o Lauro uma vez na Primavera passada e outra já
no Verão sem que pudesse falar-lhe. Só da terceira vez que o vi podemos falar
(um acaso)… – um acaso agradável depois de tantos anos… Tínhamos perdido o
contacto um do outro… Estive com ele uma quarta vez, e estes encontros têm sido
a oportunidade de revivermos aqueles bons tempos… aquela camaradagem: as
tertúlias que fazia-mos na adega do “ti Antero”… E esses encontros (eu e o
Lauro), serviram para aliviarmos nostalgias”.
Pois Lúcio, na carta que escrevera a Gonçalo, havia-lhe contado:
– “Pois caro Gonçalo, da primeira vez que vi Lauro Telmo, não houve
possibilidades de nos aproximarmos... Eu viajava de eléctrico em Lisboa na
carreira 28, e ao passar na Baixa Chiado, ali ao Camões, avistei-o ao longe a atravessar
a Rua Garrett em direcção ao Café “A Brasileira”. Isto à noite, e no início de
Junho… Estava um tempo esplêndido para usufruir da animação exterior… Saí duas
paragens a seguir porque o propósito que me levava aquela zona da cidade (o
Bairro Alto), era assistir com a minha mulher, a mais uma palestra na Galeria
Matos Ferreira que fica mesmo ali ao princípio da Rua Luz Soriano, nas bandas
do Calhariz.
Pintura de J. Faustino (João Faustino) Título: Sem mãos e sem cabeça Materiais: aguarela |
E no primeiro fim-de-semana de Julho desse mesmo ano
(2007), revelava-me o destino que em si mesmo estava escrito que mais uma vez
(a segunda vez) não era o momento de um reencontro face a face com o nosso
amigo Telmo. Vimo-lo sem que ele nos tivesse visto. E estava-mos relativamente
perto dele. Mas a deslizante onda de multidão, curiosa e entusiasmada, ao sabor
da qual éramos levados, travava uma constante demanda contra o nosso desejado
reencontro…
O caso ocorreu desta vez em Tomar durante a tradicional e popular Festa dos
Tabuleiros que naquela cidade se realiza de quatro em quatro anos.
E veio a ser este ano (2008), numa tarde de Sábado no CCB, a terceira vezes
que vimos Lauro Telmo desde que tu, amigo Gonçalo, partiste para Salamanca
cheio de expectativas e fé… E nenhumas dúvidas de que lá fluiria toda a
inspiração necessária ao avanço do teu projecto cinematográfico.
Nesse dia em que vimos Lauro, era fim-de-semana o decorria no CCB o anual
Festival de Música, que desde há alguns anos tem vindo a privilegiar a cidade
de Lisboa com a presença de importantes nomes e importantes obras…
Tinha-mos então, eu e a minha mulher, acabado de assistir a um recital de
piano e canto, e, já no exterior do edifício, descíamos a escadaria de pedra
que termina no átrio amplo que comunica com a rua. Dali mesmo, da escadaria, e
antes de pisarmos o último degrau, observávamos um apreciável adjunto de
pessoas que formava uma espessa cintura à volta de cerca de uma dúzia de
pitorescos personagens trajados a preceito. Cada um deles envergando seu
instrumento musical que primorosamente tocavam.
Telmo misturava-se naquela pequena e animada multidão. De entre a
assistência, alguém (uns poucos) – presumivelmente os mais desinibidos e
foliões – já haviam saltado para perto dos músicos e, gordos de genica,
dançavam... Iam conquistando espaço para mais livremente darem expressão aos seus
movimentos – os quais se impregnavam daqueles sons que brotavam dos bombos,
tambores, pandeiretas, violinos, flautas, pífaros, gaitas de foles… e sei lá
que mais...
Avancei rompendo a cintura humana que
delirante sorria, batia palmas e baloiçava a cabeça ao compasso da música…
Toquei no ombro de Telmo e falei-lhe efusivamente. Arranquei-lhe assim um
escancarado sorriso ao encarar-me depois de se virar. E soltou logo de imediato
um sonoro “Oh pá!!!... tás porreiro”. Abraçamo-nos de forma espontânea… solta.
Não destoando de forma alguma os nossos modos no meio da animação que reinava,
e do clima geral de um excepcional entusiasmo.
Guardámos as recordações e as novidades para o momento seguinte – momento
esse logo combinado para a noite desse mesmo dia.
Jantámos juntos por ali perto… num restaurante antigo ("O Rolhas") nas traseiras da Rua
de Belém, que tem uma magnífica vista para o jardim e o Tejo.
– Sabes que vi a Dulce?... Lembraste da Dulce…(?!) – a Dulce Filipa”
– Surpreendeu-me Telmo.
Todos os do nosso tempo (dos tempos das
tertúlias) conheceram a Dulce. Vagamente eu me lembrava dela… Mas sabia que
havia sido sólida a amizade entre a Dulce e o Telmo. Dulce até veio a ser
madrinha de baptismo do primeiro filho do Telmo. Mas de pouco me lembrava do
princípio e do evoluir da amizade entre os dois. Mas senti que Telmo fazia
questão… tinha sincera vontade de falar dos tais velhos tempos.
Foto da autoria de João Basílio |
Eu a minha mulher e o Telmo, passámos quase todo o jantar em conversa
animada... Falando de tudo o que foram as experiências comuns e do rumo que cada
um dos que fizeram parte daquele grupo coeso, tomou na vida. E falámos também
dos novos tempos: Flávio abraçou a docência; Carlos é actor… faz frequentes
viagens ao estrangeiro e participa em eventos cuja motivação é o intercâmbio de
experiências e conhecimentos na área das artes teatrais; Marília seguiu
agronomia e fixou-se no Ribatejo numa herdade que lhe deixaram os avós, e aí se
dedica a um projecto de produção e comercialização de produtos biológicos;
Bárbara Reis, interessada em antropologia, após a formatura nem um ano se
segurou por cá… e hoje mantêm um lugar de relevo na UNESCO; Leonor escreve
regularmente num jornal diário do Norte… faz traduções e é autora de dois
romances de razoável sucesso; Leonardo sempre se interessou por velharias, e
continua louco por carros... e então alugou uma oficina e dedica-se a recuperar
carros antigos; Anselmo herdou a pequena tipografia do avô em Coimbra…
dedicou-se aos livros, é alfarrabista, e é editor; o Arnaldo, fã da culinária,
fez percurso nessa especialidade e já conhece metade das cozinhas de Portugal; o Lourenço especializou-se em cartografia e fez carreira no exército; o Miguel formou-se em teologia, é bibliotecário e pastor numa igreja evangélica; o Orlando terminou o conservatório… dá aulas de música e é proprietário de um
restaurante em Évora, com condições que permitem a realização de espectáculos e
a apresentação de edições de autor de jovens valores na área das letras; Dulce
singra na pintura”.
Dulce havia oferecido a Telmo um convite para a inauguração da sua próxima
exposição, que por acaso era no Sábado da semana seguinte… Telmo propôs-nos que
fossemos com ele.
– É verdade, … imagina bem vocês!... – isto
passados uns doze anos...Mas foi para Telmo um momento particularmente
alto durante o jantar quando de novo veio à conversa o recente reencontro que
teve com Dulce, e exteriorizou:
Tinha-mos perdido completamente o rasto um do outro (por culpa minha … e
sempre me doeu o facto de ter sido por culpa minha…). Mas também sempre
acreditei que um dia o reencontro aconteceria… – seria meio acreditar e meia
esperança. Mas cumprimentámo-nos com se nunca tivesse existido entre nós aquele
interregno dos tais aproximadamente doze anos… quase foi como se o nosso
anterior encontro tivesse acontecido apenas há meses…
… Eu e a Dulce conhecemo-nos quando
ambos estudávamos restauro na Fundação Ricardo Espírito Santo, aqui em Lisboa.
Lembro-me da primeira vez que lhe falei – foi para lhe pedir um x-acto
emprestado. Frequentávamos então o mesmo curso e éramos colegas de turma. Ela
morava no Bairro da Mouraria, e praticamente desde que soubemos que morávamos
perto um do outro, após as aulas passámos a fazer juntos, e a pé, o caminho de
regresso às respectivas casas. Foi o princípio de uma simpatia que evoluiu
rapidamente para uma amizade sólida. Pouco tempo depois comecei a frequentar a
sua casa. Era uma casa nada comum comparada com as casas tradicionais a que eu
estava habituado… – era uma casa que reunia muita gente; havia quase sempre
visitas; era um ambiente onde facilmente se proporcionava conhecer uma nova
cara. A Dulce e o filho (o André), que tinha cinco anos e meio de idade, viviam
em casa do Vasco e da Aurora (pais da Dulce). Vivia também na mesma casa o
Frederico – o irmão de Dulce… este mais novo que Dulce.
… A amizade com Dulce foi para mim uma
ponte para novas amizades… e Juntei a essas minhas novas amizades, antigas
amizades – estas últimas, por sinal, boas mas muito poucas… conseguidas em
momentos distintos da minha infância, adolescência e início da juventude…
– O nosso reencontro merece um brinde amigo
Telmo – considerei.
– E bebamos também à reafirmação da nossa
amizade de quase vinte anos – reforçou Telmo.
E Telmo continuou:
“– Então juntamo-nos no Sábado na exposição da
nossa amiga Dulce?... Tenho um convite, como sabeis… posso levar amigos. Ela vai
lembrar-se de ti e da tua mulher (nossa amiga também).
A galeria é em Évora… ou melhor: as telas encontram-se no espaço das
exposições na Fundação Eugénio de Almeida. Ah!... e outra coisa que não cheguei
a dizer-vos: A Dulce associou-se há tempos com o Orlando, e entendem-se
lindamente no negócio do tal Restaurante que ele abriu em Évora (o tal
restaurante de que há pouco falámos). Podemos combinar sair daqui juntos, bem
cedinho, no próprio dia... ainda a tempo de almoçarmos com a Dulce. P’ra isso
eu telefono-lhe…
Telmo olhava-nos bem disposto e atento.
E percebeu pela expressão dos nossos rostos que aprovávamos, sem reservas ou
hesitação, o seu plano. E reagiu com redobrada boa disposição:
– Óptimo. Assim sendo, falaremos ainda a
meio da semana que vem… Certo?...”
Josefa continuava atenta à reprodução oral, quase perfeita, da carta que
Lúcio havia escrito e enviado a Gonçalo. E Lúcio continuou:
“E terminei assim:
Caro Gonçalo. Não poderia esquecer-me de te dizer que também falámos de ti…
porque também relativamente a ti, o Telmo perdeu o contacto.
Mas ficou a saber que estás em Salamanca,
e manifestou interesse em conhecer as tuas produções no âmbito desse
universo fascinante e mágico que é a Sétima Arte.
Um abraço,
Lúcio"
M. Gama Duarte
Obs. Narrativa de ficção inspirada
em vivências reais, e dedicada à minha família, aos amigos, e a todos aqueles
com quem tem sido possível uma convivência em clima de camaradagem,
fraternidade e respeito.
E hoje, dia 22 de Julho, ao republicar este texto, não posso deixar de
referir que o nome com o qual baptizei o personagem central desta narrativa
(Lúcio) é o nome de um estimado amigo (Lúcio Mendonça) que partiu (falecido
este mês).
Um cidadão exemplar. Todos os que o conheceram reconheceram nele as suas grandes
qualidades humanas…
Lúcio Mendonça: não te esqueceremos… Ficarás eternamente no nosso coração.
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