Versão livre
de “imagem que recordo
aquando de
visita à casa da mariquinhas…
–Isto num
tempo
ainda antes
da sua janela com as tabuinhas”
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M. Gama Duarte / 2015
(Instalação)
Noite… Agora a noite...
… (Anoitece).
Há hora marcada para o encontro no coração da noite.
Das bandas das sete colinas, etéreos bisturis – que são vozes que ressurgem
em subtileza e frémito seculares… Vozes que apontam a Sul – um apelo de asa a sobrevoar
o Tejo… – vozes humedecidas por um líbido de maresia.
Vamos ao encontro do coração da noite no coração da cidade…
…
Lisboa...
Brilhos; reflexos; cintilações; contrastes…
Sinos na noite – que não são os sinos dos
campanários das igrejas, das capelas, das basílicas, ou da Sé (pois estes jazem em
silêncio).
Os sinos que redobram são bocas que folgam em odores e melodias:
cantam; choram; bebem; sorriem…
E bocas, olhos, ouvidos, mãos e corações à sua
maneira cantam; à sua maneira olham; à sua maneira escutam; à sua maneira
tocam; à sua maneira sentem (e é isto… – é assim… E isto é o Fado: maneiras e
gestos nossos. Mas ao nosso
lado também as maneiras e os gestos de outros
que chegam de outros mundos,
e que por vezes nos inspiram, em algum sentido, na maneira de nós sermos… ou de não sermos)…
…
… e assim nesse coração da cidade – nesse coração da noite… (Alfama na maioria das vezes), sempre
vai acontecendo cruzar-mo-nos com alguém que já conhecemos de vista (ou que um dia
viremos a conhecer melhor que apenas de vista)…
ou com amigos propriamente dito. E isto (assim) acontece ao descermos
uma viela, ao virarmos numa esquina, ao atravessarmos um largo, ao espreitarmos
um beco, ao descansarmos entre dois lanços de escada empedrada em típica
calçada portuguesa, ao pararmos à porta junto ao respectivo umbral, ou já à mesa no
interior desse retiro ao qual
chegámos… (não esqueço o “Fora de Moda”, o “Boteco da Fá” a “Baiuca”, a “Tasca
do Chico”, a “Tasca do Jaime”, “ a Morgadinha”… – .
…
Um olhar mais circunspecto e à média luz, desbrava caminhos entres outros olhares e vultos… e ao mesmo tempo desbasta nuvens de fumaça.
Fixa-se por
fim o olhar nas paredes onde em cartazes e molduras ressaltam rostos – todos
(ou quase todos) felizes: rostos sozinhos – isolados no espartilho dos
caixilhos; rostos encostados a outros rostos em comuns, ou habituais,
manifestações calorosas, ou de circunstância… Fisionomias fidelíssimas, e
muitas das mesmas, certamente, já tendo ali passado por mim (por nós)… mas que
esqueci (esquecemos).
Entre os mais próximos, há os que ficam e permanecem e há os que vão andando…
E entre eles (ou entre todos nós) há as vozes comprometidas com a noite
(ou prometidas à noite). E isto relativamente a algo que ali também nós procuramos,
e que é das coisas mais genuinamente encantatórias que a noite tem em si: O
Fado.
Fernando Alves; Alexandre Correia (a quem gosto imenso de ouvir cantar "A igeja de Santo Estevão"; Quim (o Quim que não canta… Mas um apreciador e
conhecedor do Fado – créditos devidos a muitos anos de interesse pelo Fado: ouvindo-o,
sentindo-o e compreendendo-o. Em conversa com o Quim às vezes, por graça, dizia-lhe:
“És um musicólogo do Fado… Por isso és um Fadólogo”.
O Quim ria-se e a nossa conversa continuava agradável, e eu sempre aprendendo com
este nosso amigo); Tiago Andrade; David
Gonçalves; João Ferraz; Dionísio (este amigo trazendo-nos na sua voz o Fado de
Coimbra); João Sacramento; Paulo Miranda; João Soeiro…
Vozes que, além de cantarem, por “entre-olhares”
e “entre-sorrisos”, vão perguntando a
um e a outro: “… Já cantaste?”…
Ao amigo Quim é claro que nunca ninguém pergunta: “Já cantaste?...”
O nosso amigo Quim assemelha-se, neste aspecto, à minha pessoa…
…
Não canto. Nunca cantei: nem fado, nem outros cantares… ou, se melhor for
uma outra forma de exprimir-me: nem fado nem outras canções.
Ou talvez O cante… quero dizer: talvez cante O Fado numa certa forma: em
pensamento.
Mas se afinal canto O Fado numa certa forma (em
pensamento), não é, porém, a minha voz que aos meus ouvidos soa… que é o mesmo
que dizer: não me oiço a mim próprio mas sim a outro: a um outro de entre os
muitos – homens e mulheres, deste e de outros tempos – que sabem (ou souberam)
cantar O Fado.
…
(Tenho a meu lado quem canta… – neste peregrinar une-nos a paixão pelo Fado).
…
– “Silêncio… e a vossa
atenção, por favor…” – pedia o Sr. João Carlos à assistência… e
logo passava às apresentações:
– “Vamos prosseguir a nossa
noite de Fado.
Fados aqui às Quintas e Sextas-Feiras, Sábados e Domingos: na “Tasca do Xico”, em
Alfama. E hoje connosco à viola e à guitarra, respectivamente, Jerónimo Mendes
e André Dias, para quem peço desde já uma salva de palmas…” (ouvem-se aplausos). “… E para nos cantar fado, na minha e na vossa
presença, a voz de uma amiga que nos visita (mas uma cara já conhecida nesta
casa): Rosa Maria”.
…
M. Gama Duarte /
2015
(Instalação)
Título:
Visita amiga
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Vamos a caminho do coração da noite… do coração da cidade (Lisboa)...
... Seus Bairros:
Alfama; Mouraria; Castelo; Graça; Bairro Alto; Madragoa… Alcântara...
Alfama é um dos ventrículos do coração do Fado.
Percorremos vielas, becos, ruas, travessas… E sinto todos estes caminhos
como se fossem veias, vasos e artérias de um sistema circulatório de emoções,
sentimentos e memórias.
Conhecemos o jovem Tiago Andrade num dia em que fomos aos fados. Foi numa
noite em Alfama nos primeiros tempos das nossas peregrinações fadísticas, lá para os lados da Igreja
de Santo Estevão (no Boteco da Fá).
Ambiente onde também tivemos a oportunidade, e o privilégio, de pessoalmente
conhecemos o Artur Batalha (Artur, sempre aquela presença em pessoa: simpática, afável… e a atitude e a expressão do grande
fadista de sempre, que ele é).
Entretanto damos conta da entrada no Boteco
de um jovem (o Tiago Andrade). Ele atravessa a sala e, descontraída e
perfeitamente à vontade, senta-se sozinho numa mesa contigua à que ocupávamos.
Rosa Maria já havia cantado.
Volvidos alguns minutos soa o nome de Tiago Andrade
na boca de quem ia chamando os fadistas à presença dos instrumentos e dos
respectivos músicos.
O Tiago cantou… (dois fados: um de João Ferreira-Rosa, e o outro não me
recordo de quem)… E cantou muito bem... e não se fez esperar a merecida salva de
palmas.
Desde tal ocasião passou a ser frequente encontrá-lo (ao Tiago) em Alfama, e
conversarmos com ele… E, com agrado, ouvi-lo a cantar o fado.
TABERNA
SAUDADE
FADO
Localização:
Rua Presidente Arriaga,
69
1200-771 Lisboa
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E agora (hoje em dia) é também possível ouvir o nosso amigo e fadista
Tiago Andrade no seu retiro de Fado, perto do Museu de Arte Antiga, entre Alcântara e Santos, e que tem o nome TABERNA SAUDADE… Espaço para o qual já fomos convidados e do qual
já se proporcionou desfrutarmos.
Arranjo gráfico criado a partir de foto do interior do
estabelecimento e do respectivo cartão comercial /convite
Obs. Na crónica, os parágrafos completos escritos em itálico são recortes… fragmentos… ou simples, e apenas, detalhes de mensagens (crónicas) que neste blog vim a publicar tempos atrás…
M. Gama Duarte
28 - 07 -2015
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