O Ritual
da escrita
A só
ou num "Mais Além"
M. Gama Duarte / 2015
(Instalação)
Título:
O Ritual da Escrita - Plano 1
Páginas …
… páginas e páginas…
…
… E margens…
... Margens e margens de amplidão e um pálido vazio em superior evidência…
Hilário olhava para os seus cadernos (para as suas folhas), e
reparava na superior evidência da amplidão e do pálido vazio das margens – comparadas
que fossem com a mancha do corpo das palavras nelas escritas…
Para Hilário a escrita representa um exercício de encontro com um
certo centro…E em cada página esse certo centro é habitado pelo corpo das
palavras.
E os registos em cada página prefiguram assim a consumação de uma
fina e discreta fuga em busca desse centro …
Todavia sem que seja exigência do autor (e actor) o refugiar a letra e a palavra em aparentes formas de poesia.
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O Ritual da Escrita - Plano -2
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O centro !…
– Para o centro!!!... (“O Grito”).
E o que seria “O Grito”?...
– uma recomendação (?); uma ordem (?); um ultimato (?)… Talvez fosse, ou acontecesse,
um pouco de tudo o que lhe fosse permitido imaginar…
… E talvez Hilário não domine a superior e subtil ciência da
interpretação das vozes e dos sons... (ou
talvez me engane).
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Ritual da Escrita - Plano -3
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Porém, em consciência ou por instinto, Hilário procurava aquele centro que iria ser “O
Mais Além” – (mera concepção… ou simplesmente uma sumária conclusão… – um
exercício em que se inverte os hirtos e clássicos pressupostos).
Hilário remetia-se assim para uma imobilidade esfíngica, búdica,
totémica… ou para uma virgindade órfica.
Mas nunca para Hilário o
centro foi tão o centro enquanto cenário perfeito para o ensaio de uma
nova simbologia do “longe de tudo” ou
do “Mais Além”.
Mas, apesar “de tudo”, sentindo Hilário o centro como eixo de si próprio: eixo dos seus movimentos e dos
seus pensamentos.
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M. Gama Duarte /2015
Lughar:
Palácio da Cerca
(Almada Velha)
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Fora do centro (no
periférico e no além todos os limites)
é a aventura – um outro sentido e uma
outra perspectiva da fuga (ao mesmo tempo uma perspectiva de busca).
Hilário é o eixo de si próprio: eixo dos seus movimentos e dos
seus pensamentos. Entrega-se a essa disciplina através da qual se reconhece, e quando
se reconhece reconhece-se como individuo fruto de um plano ou de um acaso.
Como se iluminarão os caminhos dentro de Hilário?... Talvez se
iluminem à chama da sua chispa divina interna. Hilário não é de todo descrente
(não será, por assim se entender, um agnóstico).
Os horizontes mais magníficos, mais fantásticos, mais edílicos,
ele procura-os dentro de si… e não através de janelas… ou abrindo portas, ou pulando
muros, ou fitando o céu à transparência de eventuais clarabóias… (nos tectos de
Hilário não existem clarabóias… Mas mesmo assim ele valoriza os seus tectos, e
perscruta o universo através deles).
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M. Gama Duarte /2015
Lugar: Qt.ª do Rouxinol (Corroios)
Tema: Nocturno
Título: Outros luares
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No centro, a partir de onde Hilário parte “para habitar o mundo”, os tectos são o pano
de fundo que, ao seu olhar, mais se assemelham com o céu… À sua maneira ele pinta
as nuvens sobre esse pano de fundo… E suspende nesse mesmo pano de fundo, umas
vezes um sol, outras vezes uma lua… e atribui a esse sol e a essa lua o
estatuto e a função de pêndulos do tempo…
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M. Gama Duarte /2015
Lugar: Qt.ª do Rouxinol (Corroios)
Tema: Nocturno
Título: Outros luares
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O tempo é uma lâmina de golpe preciso ao traçar as rugas nos
rostos… (Deus perdoa mas a idade não…
– tenho dito… e escrevi-o um dia algures… e mais uma vez o digo aqui, nesta
crónica)… E as amarguras são o ácido que descolora os cabelos, tornando-os grisalhos
e esbranquiçados e quebradiços…
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M. Gama Duarte /2015
Lugar: Qtª do Rouxinol (Corroios)
Tema: Nocturno
Título: Outros luares
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Na mente de Hilário, o
centro nunca foi tão o centro… E
o círculo nunca foi tanto como hoje a
figura geométrica “perfeita”… E em
Hilário o ponto/centro, por isso mesmo, encontra-se
ainda mais ao centro… E assim Hilário por vezes se encontra só… e tudo o mais
se torna distante… – para lá de todo
o concreto: para lá das vidraças, para lá de portas, para lá de quaisquer barreiras…
para lá das imagens que, entre caixilhos, marcam presença nas paredes e lhes
vai engolindo o estuque, ora aqui ora ali.
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M. Gama Duarte /2015
Lugar: Qtª do Rouxinol (Corroios)
Tema: Nocturno
Título: Outros luares
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Hilário é agora quase unicamente pensamento. Ou o que é por ele sentido não
será nada mais que um estranho exercício de existência, e sentirá que tudo agora
poderá ser ainda mais circular… E que o seu corpo poderá ser o produto lúcido e
lúdico de uma acto prodigioso da sua imaginação.
Hilário entra dentro de si e aí se procura e se instala (por
algum ponto ele entra em si próprio… mas por onde, e como, Hilário o fará?).
No seu habitat (no seu espaço existencial interno) ele sente por
vezes a necessidade de manter portas trancadas, janelas seladas, clarabóias embaciadas
(sem transparência)... E até quanto às pontes existentes dentro de si (se elas
existirem), elas serão em forma de círculo, tocando-se e unindo-se os extremos do
fio que desenha esse círculo.
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O Ritual da escrita - Plano -4 |
Hilário olha para si próprio. Encontra-se sentado. Sentado no
centro de um círculo… (O seu corpo cedeu… quebrasse-lhe sobre a cadeira onde se
sentou).
Hilário olha depois para o alto (o tecto: “o seu céu”). Procura os pêndulos
do tempo: o seu sol e a sua lua. Estes (o seu sol e a sua lua) giram em
círculos concêntricos, e constantes, que lhe fazem recordar a fronteira
circular de si próprio… E é entre fronteiras (as suas fronteiras) o lugar onde a
natureza de alguma forma se realiza e se reactualiza através de ritualísticos
sopros de vida.
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O Ritual da escrita - Plano -5
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Hilário, sentado, sonha: vê aproximarem-se de si segmentos e
mais segmentos. Ele toma-os, um por um… nas suas mãos… Seguidamente efectua a
ligação dos respectivos extremos… e lança-os a seguir no espaço. E lá vão os
círculos subindo, subindo, perpendicularmente ao seu
ser.
M. J. Gama Duarte
21 de Maio 2012
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