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MENSAGEM AOS VISITANTES DO BLOG

Saúdo todos os que acedem a este meu Blog, venham ou não, de futuro, a tornarem-se visitantes habituais do mesmo.

Apraz-me contar com todos neste espaço de partilha.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Júlio António Duarte
(Avô)

Cena do Filme português: "O pátio das cantigas".
Realizado por Francisco Ribeiro, e estreado
em 23 de Janeiro do ano de 1942
no Cinema Eden  em Lisboa.
 

  
















João Duarte
(Pai)
















Maria do Rosário Duarte
(Mãe) 
















Fernando Gama
(Tio)


















Instalação / 2015

Título: Memória
Concepção e montagem: M. Gama Duarte
Assistente de montagem e registo fotográfico: Artur Duarte













Rostos
                                                                       


Leandro passou uma vez mais os olhos pelo jornal que há anos recebe pelo correio, e do qual todos lá em casa se tornaram leitores. 
O JornaL encontrava-se sobre o tampo da mesa da sala onde na noite  anterior o pusera e deixara ficar para o dia seguinte.

Hoje o formato do JornaL aproxima-se do formato das revistas de procura comum e que normalmente enchem os expositores de livrarias, de papelarias e de quiosques de todo o país… Porém este jornal – como bom jornal que é e sempre foi - é de uma importância inquestionável – bem se distingue das demais publicações periódicas de vasto e maciço consumo… Pois, com todo o mérito e dignidade, ele continua a ocupar, com distinta qualidade, um espaço de referência no panorama cultural português.
 
De novo, atento, Leandro deixou que o seu olhar se prendesse nas imagens da capa do dito jornal, que continuava como o havia deixado sobre o tampo da mesa da sala.
Com honras de 1.ª página (em plano de destaque), e por inteiro, a figura de um cineasta português de relevo que recentemente havia falecido. 
A figura do artista, a toda a altura entre a linha de rodapé e a linha do cabeçalho da página do JornaL, ali estava… E Leandro a vê-lo… – a ler-lhe um sorriso na expressão generosa e simpática que se oferecia.
Este famoso cineasta viveu até aos seus setenta e seis anos – (uma idade em que muitos de nós – homens ou mulheres –, de quando em vez já recorre a um nítido esforço para suportar o peso das coisas e o peso do próprio corpo… e até para suportar o ligeiro peso de uma criança de tenra idade que tenha erguido para no colo a acarinhar.
E acresce a estas relativas dificuldades quotidianas, o esforço, e a luta, para se manter a verticalidade da matéria corporal que se possuí.  
E a verticalidade de espírito (?)…  a custo vamos mantendo-a com um outro modo de esforço, e luta…  – esforço e luta até ao último dia desta caminhada terrena.  

Também com honras de 1.ª página, no canto inferior esquerdo da capa do JornaL, um grande compositor português (um outro génio… e ainda jovem... Mas que precocemente partiu desta vida).

Dois artistas. Parentes entre si em dignidade e autenticidade... – tanto quanto essas apaixonantes vertentes artísticas, a que cada um se dedicava, os ligava (o cinema, a música e a fotografia). E a obra que ambos deixaram foi de superior qualidade e para sempre perdurará.

Que me perdoem-me a ousadia, se competência eu não tiver para falar de vidas e obras tão sublimes…
Mas, observando aqueles dois rostos, a certa altura nos meus olhos já duas lágrimas de comoção e respeito procuravam leito por onde se escaparem…
¿ E em qual dos rostos o meu espírito teria encontrado inspiração para as duas lágrimas prestes a brotarem à luz?... – Em ambos os  rostos (é a resposta).
No primeiro dos dois rostos aquele leve sorriso – talvez imediato. No caso do segundo rosto, parecia-me que o fotógrafo não havia esperado pelo sorriso… Talvez o fotógrafo tenha adivinhado que o sorriso iria tardar… Ou então, por minha conta e risco, tudo neste pressuposto é uma irrealidade ou uma imprecisão – um equívoco que me conduziu a uma conclusão fundamentada em razões diferentes das puras e verdadeiras razões: um engano dos meus olhos, ou a presunção de que a imagem que ficou do artista se deveu à impaciência do fotógrafo... (que me perdoe o fotógrafo).

Mas qualquer que fosse a expressão que radiasse daqueles dois rostos, no presente essa expressão (de um tempo passado) já não pode ter uma correspondência materialmente viva… Pois no presente (hoje) é já inexistente a possibilidade física de um sorriso espontâneo e radiante naqueles genuínos rostos... Porém um sorriso, e sorrisos, que em muitos momentos (nesses tempos passados) foram uma realidade (mais fáceis umas vezes, menos fáceis outras vezes… mas sempre uma fulgorosa possibilidade).
Mas o que importa é que, sempre que do rosto destes dois génios floria um sorriso, esse sorriso era extraordinariamente humano e sincero.

Talvez o espírito das coisas seja a memória delas mesmas – memória sempre viva… e que fica.

Todos temos um (e nosso) cavalo de batalha, que nem sempre acerta o ritmo do seu galope com o ritmo das nossas jornadas.
Montamos o nosso cavalo de batalha enquanto temos agilidade e equilíbrio… e enquanto aguentamos a seu galope.
Um dia, cansados, apeamo-nos dele. Deixamo-nos ficar uns tempos ao lado do nosso cavalo num companheirismo e amizade eterna… mas consentimos-lhe depois a liberdade (“damos-lhe” esse direito)… E outros homens, ou mulheres, aproveitando a nossa inspiração ou com uma renovada inspiração e força, subirão para o selim que foi nosso.


A arte é um imenso abraço à humanidade.
A beleza para a qual os artistas nos despertam fica em cada um de nós eterna.

A partir de certa altura vemos nos idosos o que nunca vimos antes. Vemos que se parecem cada vez mais com alguém que estimamos mas que já partiu. Há uma luta titânica que os idosos aceitam e levam até ao fim enquanto não lhes faltam de todo as forças e a lucidez…. É um esforço heróico que fazem ao enfrentarem aquela permanente e poderosíssima força gravítica.
Não obstante o esforço a que se obrigam, conseguem, em muitos casos, manter a verticalidade vertebral enquanto a sua carne visivelmente já cede.
(A gravidade é aquela força implacável que nos puxa para a terra).
Avós, pais, tios – pessoas que estimamos e com as quais nos habituámos a lidar anos e anos…
… Mas a partir de certa altura damos connosco a reter nelas o olhar… Mas olhando-as de outro modo e com outra atenção… – como que a mesma atenção que damos ao horizonte – à linha do mar ao fim do dia –… certos de que o Sol não se demorará eternamente, e não se manterá para sempre preso ao dia e aos nossos olhos… E o último sinal de vida que dele ficará (do Sol), se o imaginarmos com atributos humanos, será um gesto, uma expressão, um qualquer movimento… uma palavra. Não queremos que o Sol parta distante de nós e de costas para nós.


Separam-me da presença viva do meu pai, quase trinta anos.
Lembro-me da sua estatura, feições, passividade. Do que dele me recordo melhor é do que ele de melhor tinha… o que era quase tudo.
Penso às vezes: Por onde andarão as sua histórias?... (histórias que ninguém escreveu… – não se encontram escritas).
De resto, ele nunca se especializou em discursos…
… E algumas vezes me pareceu que, propositadamente, ignorou as suas pessoais razões de descontentamento…                                
                             


M. Gama Duarte

16 de Maio de 2012

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015





Maria do Rosário Duarte (Tia "Amália"), numa das janelas da sua casa que davam para o quintal, em Lisboa nos anos 80.










Obs. Amália é alcunha que lhe foi posta quando ainda criança (começou por a alcunha ser “Amalica” – um diminutivo –, porque a sua madrinha de baptismo se chamava Amália. Alcunha que se perpetuou na forma de nome próprio (não oficial) de  Amália







Rosário


Rosário viveu até aos 95 de idade.
Mas… teria sido possível viver até mais tarde?...

… Recordo-me: quando ainda relativamente nova, ela nunca imaginou vir a contar com semelhante longevidade… E o mais impressionante na idade a que chegou,  era o facto de  gozar de um relativo bem estar (uma invejável saúde, tendo em consideração a avançada idade) – condição  de que  se orgulhava… E em tal evidência encontrou razões para “dar graças” (expressão sua, que repetidas vezes lhe ouvi).
Porém, dois súbitos declínios na sua saúde exigiram que, com uma índole inadiável, lhe fosse prestada assistência médica imediata… a que se seguiu o internamento recomendado.  
Entre uma e outra crise decorreram sensivelmente sete meses. E a recaída foi-lhe fatal.
Nunca Maria do Rosário havia antes permanecido entre paredes de uma unidade hospitalar por similares motivos.
. . .  . . .

– Então mãe?... Como vai?
– Andando filhos… vou andando.
– E o passeio mãe?... Que tal foi o passeio?...
Havia sido a primeira vez que Rosário entrara na sala de urgências de um hospital.
Vacilou. Seguidamente embrenhou-se num suspiro silencioso…
E as suas mãos sobrepostas, como que aninhando-se uma na outra, repousavam sobre a ligeira curvatura do topo da bengala de madeira dura que mantinha bem chegada ao peito, e hirta…
… E parecia que, fantasmagoricamente, se tinha instalado sobre o seu corpo o peso de uma ruim memória (a memória daquele passeio a meio do qual adoecera). E o efeito do peso da ruim memória reflectia-se nos seus ombros, provocando-lhe uma saliente quebra. E nesse estado de alma que se reflectia na condição física, o rosto de Rosário aproximava-se ainda mais das suas mãos que se enconchavam coladas uma à outra.
...

(Extracto da Crónica: “Mãe Grande” de 07 de Maio de 2011)


. . .  . . .
Se nas contas não me confundo, faz por estes dias sete meses que tiveste aquela macacoa que para ti foi um martírio, Mãe Grande.
Passaste um mau bocado, bem sei. E para nós foi um sobressalto.
Já não passavas uma noite num hospital desde que na Maternidade Alfredo da Costa te abriram o ventre para que eu saísse e visse luz. Foi um nascimento segundo o método de cesariana – recurso que se impôs excluída que foi, por parte da equipa de obstetras, a hipótese de um parto normal.
A tarefa foi laureada de sucesso, e o êxito registado: uma mulher de 40 anos chega ao fim do tempo de uma gravidez de risco com um suspiro de alívio, e comprazimento, perante o final feliz.
Porém os penosos vinte dias em espera e em vigilância no Serviço de Obstetrícia na Maternidade Alfredo da Costa nunca foram vertidos no abismo do esquecimento. Por isso Rosário, sempre que relembra esses vinte dias, repete:
“… Tudo o que foi menos bom passou… mas  é verdade que foi difícil… Mas todo o pior suportei  por  amor…  Mas difícil  foi, porque tu eras muito grande, meu filho”.
...

(Extracto da Crónica: “Mães Grandes” de 12 de Dezembro de 2011)


Foto e texto:
M. Gama Duarte         


      

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015








       
M. Gama Duarte

Motivo: Lisboa (Terreiro do Paço) 


As curtas linhas
que hoje julguei serem possíveis




Por um modesto capricho; por uma natural necessidade de experienciar os contrários; por uma lógica de vida que passa pela aceitação de um convite em que nele esteja implícita a rejeição do prazer total, e a sugestão de um prazer partilhado (sentir em cada coisa apenas uma parte do prazer), há aqueles momentos em que acredito que a minha vontade é apenas a de escrever umas curtas linhas… Linhas tão curtas como beijos fugazes que tocam os rostos como circulares gotículas de água nas alturas em que se anunciam os breves chuviscos…


Bebo neste momento um café curto, e tenho ao lado da chávena um copo com água que me serviram meio cheio, mas que talvez não chegue a beber.
Aos poucos vou sorvendo aos minúsculos goles esta líquida, aromática, escura e escaldante substância.
É a cafeína que, neste ritual absorvo, vai ajudar a manter-me acordado o resto do dia.
(Parece-me que assim: bebendo o meu café aos minúsculos goles, o sinto mais saboroso… mais encorpado, e a espalhar-se mais delicada e eficazmente por todo o tecido capilar interno da minha boca).
Vou intercalando com os minúsculos goles – que cada vez são mais minúsculos, mais pastosos e tudo o mais que as minhas sensações neles encontram – as palavras que vão ganhando corpo na minha mente, e que, não sei porque carga de razão (ou com que sentido), essas palavras descem por mim fazendo o caminho mais curto até chegarem à ponta aguçada do objecto que os habituais três dedos da minha mão direita apertam. E lá vou escrevendo.
(Talvez isto seja uma carta… – outra carta – se eu de tal me quiser convencer).

M. Gama Duarte
Motivo: Lisboa (Casas de Alcântara
)

Mas entretanto vai-se fazendo tarde… e já não são para hoje as curtas linhas que julguei serem possíveis…
E, neste fragmento de tempo que resta, lentamente levanto a cabeça… Observo o céu (um céu geométrico e espartilhado: assente em artificiais horizontes delimitados por aço e betão… ou apenas delimitados por pedra, argamassa e telha… É assim nas pequenas e grandes cidades, e vilas).


Uma forasteira aragem irrompe praceta dentro. Parece assediar-me. Contorna-me discretamente o corpo. Ao de leve toca-me na camisa e esgueira-se logo, estouvada e invisível, sem marcar terreno e sem deixar rasto...

… Atento, olho o pulso procurando as horas … E já não há tempo para as curtas linhas

Motivo: Lisboa (Em casa dos pais nos anos 80)
que hoje julguei serem possíveis…
Resta apenas tempo para as últimas partículas de cafeína já frias, que provavelmente ainda encontrarei, se com elas contar e as procurar na concavidade afunilada da chávena de loiça que repousa dois palmos abaixo do meu queixo.







M. Gama Duarte   

                      




Autor: M. Gama Duarte (anos 80)


















Título: A queda de Ícaro sem as asas
Materiais: Acrílico sobre papel de cenário






















Autor: M. Gama Duarte (anos 80)











Título: Mito
Materiais: Acrílico sobre papel de cenário 



sábado, 14 de fevereiro de 2015



Autor: M. Gama Duarte / 1981
Título: O cavalo veloz do pensamento (na imparável cavalgada da fantasia)
Materiais: tecido, tinta da china e lápis de cor sobre papel

 






A libido de Fénix
(invocação dos mitos) 





Porque não, procurarem-me aqui? … –  o  lugar
mais óbvio… onde também me procuro…

O lugar onde procuro os claros túneis do tempo,
e entro em mim sem ter que bater
a qualquer porta.


Aqui vos espero…

Podeis rir…
(Talvez não me tenham visto
ao passarem à minha beira…)
… Sei que não vos acenei
quando por mim passastes:
… Os braços pesavam-me
sobre a folha de papel em branco
que jaz nesta mesa suspensa
na ponta das asas de Fénix – folha que já
mil vezes rasguei…
Mas que resiste… lisa, branca, marginal…
que se auto-recicla.

Sim… – folha que mil vezes rasguei,
contorcendo e desviando cursos de rios e riachos de azul…
E longe esses rios e riachos irão formar lagos e oceanos…


Mas vinde.
Se chegardes já noite,
com o que restar das minhas forças
darei vida a esta taça, e ergue-la-hei     
como se fosse a última pincelada
de um momento de inspiração…
e farei desta folha branca
um cuco de papel
que não me deixará adormecer
com o seu canto alucinado…
... E celebrarei a noite.

Mas ainda vos espero.
Não vos exigirei
nem o soluçar súbito de um sorriso…

Podem até ocultar o rosto – se essa for
a vossa vontade…
mas, pelo menos,
tragam ao colo
o vosso coração…

Quem sabe
se até eu próprio já perdi o sorriso…
e se oculto o rosto
para castigar os meus olhos…

Não tenho olhos redondos como salvas de bronze,
ou como redondos ventres prenhes de esperança…
Ou redondos como arenas habitadas
por sátiros e Minotauros em delírio.
Não tenho olhos redondos como o tampo
desta mesa a que me sento,
e onde, ao lado desta simples folha de papel em branco,
nada mais cabe
além de um céu turquesa,
de um poema em chamas,
de um cais esquecido
e de um transbordante cálice
de libido de Fénix.


Mas vinde…

Se não vierdes…
partirei desde cais…
… Partirei…
Mas que seja tarde…
não vá alguém lembrar-se
de matar o que resta de inocência
nas asas da loucura.





M. Gama Duarte

16-07-2008                                                                               
                                                                                                               

        


Titulo: A janela
Materiais: Aguarela, guache e pastel
Suporte:Papel  





M. Gama Duarte

Título: Firmamento





Não!... – não me cansei das paisagens



Olho
e vejo aquela parede branca,
e é como se nela olhasse o infinito...
Nunca assim tinha olhado para uma parede branca!...
Quem sabe
se foi desta vez que enlouqueci (?)

Mas o infinito
de tudo
é senhor :
tudo tem
(ou talvez nada tenha…)
Os loucos… – esses também tudo têm
e tudo sabem…
ao mesmo tempo que nada têm
e nada sabem…

Mas eu…
Eu não me cansei das paisagens...
… E não me dão sono
os crepúsculos
nem as fontes sob o luar
ignoram a minha sede…
E eu…
afinal
talvez acredite
que o infinito de tudo é senhor.

… E aquela parede branca,
por tudo ter
e nada ter,
come de mim…
… Devora-me os olhos!...
mas nem assim
me cansarei das paisagens.




M. Gama Duarte

12-08-2007 



terça-feira, 10 de fevereiro de 2015


M. Gama Duarte 81
Sem título
Desenho, pintura  e colagem (técnica mista)




Na sombra de luz
de um certo luar de Vézac




Tinham chegado já tarde. A lua já alto (bem alto…)
… E o céu ali (parecendo-lhes tão perto): tão próximo como longínquo: sério e pleno – tão pleno quanto o melhor de si: imanente… e como fundo ideal para o mais belo da luz; para o mais belo dos brilhos… – aquela luz e aquele brilho que, assim como eram, só mesmo as estrelas…

Para trás, a uma distância imensurável em tempo e espaço concretos, uma experiência que deixara um inabitual rasto de silêncio, de aceitação e de compaixão (para a compreensão de certas verdades, usarmos exclusivamente as faculdades próprias da inteligência, ás vezes é pouco (um reduzido recurso)… e só a sabedoria nos faz chegar à razão e nos permite reconhecer as iluminadas respostas.

Tinham chegado já tarde. A lua já alto (já bem alto…).
… E o céu ali (parecendo tão perto): tão próximo como longínquo…

Eles prescindiam de um discurso elaborado a custo de palavras… – substituíam-nas pela percepção de um remanescente calor que lhes ficara – um especial calor experimentado na palma das suas mãos… – Um calor que benignamente ainda permanecia como que grudado à aura de um e do outro, e que lhes tocava o peito…
Recordavam o tal momento, revivendo-o então em memória: momento-memória: recém-nascido… A prece e, enfim, a celebração… e o louvor à Vida… à VIDA!... (os anjos haviam regressado pelas mesmas escadas de ouro por onde haviam descido dos céus… e haviam regressado sozinhos, porque, para aquela que haviam visitado, ainda não era chegada a hora… (o supremo divino a poupara)… Milagre?... “Ressurreição”?... – o que em verdade havia sido era um segredo à guarda do destino.

… Na sombra de luz eles falaram da fé…
Fé que é alimento e sustento da esperança.
Fé que se revela em expressão colectiva – a fé que move montanhas, a fé que alimenta peregrinações. Falaram da fé individual que se vive em solidão, e em silêncio – a fé que se identifica como um sinal de que, em compromisso com algo de valor superior em que se acredita, se vai trilhando o caminho.
… Mas a fé vivida em comunhão (em partilha), inspira-nos pensamentos que nos vão revelando, e convencendo, de que na luz é a forma de estar que permite a todo o ser humano encontrar a melhor maneira de se pacificar com o próximo e com o mundo.

Por fim, serena e Intuitivamente, eles fecharam os olhos… (já sabiam que fechar os olhos é ficar vigilante). Centraram-se em si próprios – num eu/essência e num nós/essência… num eu (e nós) com um certo sentido de totalidade)... um eu (e nós) alcançados por recompensa no culminar de uma fuga em processo audacioso de libertação dos contornos que limitadamente identificam o ser humano no plano corpóreo mais densificado…
… Nesse processo audacioso de libertação entregamo-nos na conquista de um eu, ou de um nós, impessoal… sem limites... Apaga-se neste sentido a percepção visual e palpável dos nossos contornos físicos… e é o encontro (ou reencontro), por fim, com uma auto-proposta de individualidade alternativa que pressupõe a auto-projecção num plano que se traduz, num certo sentido, em “trans-dimensão”

E é a renúncia, a ruptura, a repulsa e a negação das reacções e relações egóicas de sobrevivência – efeito oposto ao efeito de espelho (banidas que sejam as comuns fraquezas narcísicas).

É certo (ou imaginação) que às vezes temos a sensação de que não nos queremos ver, outras de que não queremos encontrar-nos em lugar algum, e ainda outras de que não nos reivindicamos em nenhum espaço ou cultura temporais.
Mas podemo-nos observar… E essa atitude de auto-observação podemos assumi-la como um exercício valioso e consequente…   

Qual o lugar das nossas necessidades comuns neste plano físico que classificamos de tão real?... 
(Em vez de uma resposta pode surgir o espanto perante a descoberta de mais uma ilusão… E é neste dilema, quase enigma, que encaramos tudo como que mergulhados na única “realidade”… (o sermos de facto alguma coisa, mas finita segundo o entendimento mais ao nosso alcance, num âmbito e num domínio a que nos habituámos).
Às vezes o Isolamento…. outras vezes o retiro!…. – (não solidão)  – e questionamos: onde estamos?... quem somos?... o que valemos?...
Cultiva-mos, por vezes, o isolamento (somos nós o retiro de nós próprios – é o que acabamos por aceitar).
Cultivamos a distância… – a distância versos absoluto – A “nossa obra-prima”: coisa/consequência que depois orgulhosamente acarinhamos como coisa só nossa…  (“… coisa nossa que tanto trabalho nos dá”).
… E quanto sofrimento por nós suportado no processo?! ... Tanto sofrimento que, calhando, não é assim tanto. Mas se for (sofrimento), não será só nosso (é do mundo… e também será do divino que nos criou…
Quem sabe?!...)

                                                                                      


M. J. Gama Duarte