123456789

123456789

MENSAGEM AOS VISITANTES DO BLOG

Saúdo todos os que acedem a este meu Blog, venham ou não, de futuro, a tornarem-se visitantes habituais do mesmo.

Apraz-me contar com todos neste espaço de partilha.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015



Rostos
                                                                       


Leandro passou uma vez mais os olhos pelo jornal que há anos recebe pelo correio, e do qual todos lá em casa se tornaram leitores. 
O JornaL encontrava-se sobre o tampo da mesa da sala onde na noite  anterior o pusera e deixara ficar para o dia seguinte.

Hoje o formato do JornaL aproxima-se do formato das revistas de procura comum e que normalmente enchem os expositores de livrarias, de papelarias e de quiosques de todo o país… Porém este jornal – como bom jornal que é e sempre foi - é de uma importância inquestionável – bem se distingue das demais publicações periódicas de vasto e maciço consumo… Pois, com todo o mérito e dignidade, ele continua a ocupar, com distinta qualidade, um espaço de referência no panorama cultural português.
 
De novo, atento, Leandro deixou que o seu olhar se prendesse nas imagens da capa do dito jornal, que continuava como o havia deixado sobre o tampo da mesa da sala.
Com honras de 1.ª página (em plano de destaque), e por inteiro, a figura de um cineasta português de relevo que recentemente havia falecido. 
A figura do artista, a toda a altura entre a linha de rodapé e a linha do cabeçalho da página do JornaL, ali estava… E Leandro a vê-lo… – a ler-lhe um sorriso na expressão generosa e simpática que se oferecia.
Este famoso cineasta viveu até aos seus setenta e seis anos – (uma idade em que muitos de nós – homens ou mulheres –, de quando em vez já recorre a um nítido esforço para suportar o peso das coisas e o peso do próprio corpo… e até para suportar o ligeiro peso de uma criança de tenra idade que tenha erguido para no colo a acarinhar.
E acresce a estas relativas dificuldades quotidianas, o esforço, e a luta, para se manter a verticalidade da matéria corporal que se possuí.  
E a verticalidade de espírito (?)…  a custo vamos mantendo-a com um outro modo de esforço, e luta…  – esforço e luta até ao último dia desta caminhada terrena.  

Também com honras de 1.ª página, no canto inferior esquerdo da capa do JornaL, um grande compositor português (um outro génio… e ainda jovem... Mas que precocemente partiu desta vida).

Dois artistas. Parentes entre si em dignidade e autenticidade... – tanto quanto essas apaixonantes vertentes artísticas, a que cada um se dedicava, os ligava (o cinema, a música e a fotografia). E a obra que ambos deixaram foi de superior qualidade e para sempre perdurará.

Que me perdoem-me a ousadia, se competência eu não tiver para falar de vidas e obras tão sublimes…
Mas, observando aqueles dois rostos, a certa altura nos meus olhos já duas lágrimas de comoção e respeito procuravam leito por onde se escaparem…
¿ E em qual dos rostos o meu espírito teria encontrado inspiração para as duas lágrimas prestes a brotarem à luz?... – Em ambos os  rostos (é a resposta).
No primeiro dos dois rostos aquele leve sorriso – talvez imediato. No caso do segundo rosto, parecia-me que o fotógrafo não havia esperado pelo sorriso… Talvez o fotógrafo tenha adivinhado que o sorriso iria tardar… Ou então, por minha conta e risco, tudo neste pressuposto é uma irrealidade ou uma imprecisão – um equívoco que me conduziu a uma conclusão fundamentada em razões diferentes das puras e verdadeiras razões: um engano dos meus olhos, ou a presunção de que a imagem que ficou do artista se deveu à impaciência do fotógrafo... (que me perdoe o fotógrafo).

Mas qualquer que fosse a expressão que radiasse daqueles dois rostos, no presente essa expressão (de um tempo passado) já não pode ter uma correspondência materialmente viva… Pois no presente (hoje) é já inexistente a possibilidade física de um sorriso espontâneo e radiante naqueles genuínos rostos... Porém um sorriso, e sorrisos, que em muitos momentos (nesses tempos passados) foram uma realidade (mais fáceis umas vezes, menos fáceis outras vezes… mas sempre uma fulgorosa possibilidade).
Mas o que importa é que, sempre que do rosto destes dois génios floria um sorriso, esse sorriso era extraordinariamente humano e sincero.

Talvez o espírito das coisas seja a memória delas mesmas – memória sempre viva… e que fica.

Todos temos um (e nosso) cavalo de batalha, que nem sempre acerta o ritmo do seu galope com o ritmo das nossas jornadas.
Montamos o nosso cavalo de batalha enquanto temos agilidade e equilíbrio… e enquanto aguentamos a seu galope.
Um dia, cansados, apeamo-nos dele. Deixamo-nos ficar uns tempos ao lado do nosso cavalo num companheirismo e amizade eterna… mas consentimos-lhe depois a liberdade (“damos-lhe” esse direito)… E outros homens, ou mulheres, aproveitando a nossa inspiração ou com uma renovada inspiração e força, subirão para o selim que foi nosso.


A arte é um imenso abraço à humanidade.
A beleza para a qual os artistas nos despertam fica em cada um de nós eterna.

A partir de certa altura vemos nos idosos o que nunca vimos antes. Vemos que se parecem cada vez mais com alguém que estimamos mas que já partiu. Há uma luta titânica que os idosos aceitam e levam até ao fim enquanto não lhes faltam de todo as forças e a lucidez…. É um esforço heróico que fazem ao enfrentarem aquela permanente e poderosíssima força gravítica.
Não obstante o esforço a que se obrigam, conseguem, em muitos casos, manter a verticalidade vertebral enquanto a sua carne visivelmente já cede.
(A gravidade é aquela força implacável que nos puxa para a terra).
Avós, pais, tios – pessoas que estimamos e com as quais nos habituámos a lidar anos e anos…
… Mas a partir de certa altura damos connosco a reter nelas o olhar… Mas olhando-as de outro modo e com outra atenção… – como que a mesma atenção que damos ao horizonte – à linha do mar ao fim do dia –… certos de que o Sol não se demorará eternamente, e não se manterá para sempre preso ao dia e aos nossos olhos… E o último sinal de vida que dele ficará (do Sol), se o imaginarmos com atributos humanos, será um gesto, uma expressão, um qualquer movimento… uma palavra. Não queremos que o Sol parta distante de nós e de costas para nós.


Separam-me da presença viva do meu pai, quase trinta anos.
Lembro-me da sua estatura, feições, passividade. Do que dele me recordo melhor é do que ele de melhor tinha… o que era quase tudo.
Penso às vezes: Por onde andarão as sua histórias?... (histórias que ninguém escreveu… – não se encontram escritas).
De resto, ele nunca se especializou em discursos…
… E algumas vezes me pareceu que, propositadamente, ignorou as suas pessoais razões de descontentamento…                                
                             


M. Gama Duarte

16 de Maio de 2012

Sem comentários:

Enviar um comentário