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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

M. Gama Duarte
M. Gama Duarte









      Alentejo 





… E que haja azul… Que haja céu…
(o céu cura todas as cegueiras)…
… e as árvores que se agacham para que lhes chegue aos ramos mais altos


Quando chega o momento em que verificamos que as coisas à nossa volta nos surpreendem de forma inabitual, passamos a sentir maior necessidade de escrever as nossas memórias.
Os primeiros sinais dessa necessidade, são por vezes momentos em que nos invade uma inexplicável tristeza – tristeza que ao princípio confundimos com frio; confundimos com uma fina agonia; confundimos com uma atrofia da garganta quando queremos falar… – aquele pontapé nos rins que atira connosco, às vezes, para a lama da solidão. Mas nem sempre assim acontece…

Estrada Nacional em direcção ao Sul (os primeiros quilómetros).
Passando Setúbal, mais umas dezenas de quilómetros e: eis que chegamos (itinerário já conhecido e quase cumprido automaticamente há mais de dúzia e meia de Outonos…)
… Tenho pressa de chegar sem que por isso me apresse… Imprecisamente vou somando os metros e os quilómetros de asfalto que vejo a ficarem pelo caminho… – a perdê-los de vista sempre que o meu olhar se prende por segundos no espelho retrovisor… (não tenho desta vez a responsabilidade do volante, e posso entregar-me livre e ociosamente à contemplação de tudo… – ou de quase tudo) …
…E o meu olhar corre também pelos hectares e hectares de planície… e vem-me aos soluços, a cada metro e a cada quilómetro, uma vontade de me apear e ficar por aqui e ali debaixo de uma oliveira, ou debaixo de um sobreiro… ou, alternadamente: umas vezes debaixo de uma oliveira e outras debaixo de um sobreiro… E, logo a seguir a esta vontade, vem-me uma outra vontade: a vontade de mergulhar a ponta dos dedos no pêlo compacto das ovelhas em rebanho que, pelas vastas planícies, vão passando o tempo pastando … E, ainda neste embalar-me, vem-me a vontade de ficar sentado de ombros encostados à cal das fachadas de taipa das casinhas térreas, isoladas e perdidas no meio dos montes… – vontade de ficar ali – por um momento – entre o branco e o azul, a sentir crescer em mim o desejo de acarinhar tudo o que tenho vindo, com saudades e ao longo de anos, a conservar no calor dos interstícios do meu espírito…
… Cuidados para que esse reduto (restos) não se dissolva entre os véus do esquecimento… E também o desejo de me apaziguar para que em mim se dilua um insólito susto … E esse apaziguar-me conta com a ajuda do meu olhar sobe as coisas que me acompanham nesta calma urgente…

… Mas às vezes já não cumprimento as oliveiras e os sobreiros daquela maneira que me sossegava na certeza de que me ouviam… Não sei se uns e outros (oliveiras e sobreiros) hoje em dia esmorecem ao notarem em mim algumas diferenças… (é verdade que vamos mudando…).
Tenho a certeza de que as oliveiras e os sobreiros aproximar-se-iam fisicamente de mim se o pudessem fazer… (é verdade que creio que se aproximariam de mim…) e lá viriam elas e eles, soltos e com o seu ar graciosamente tosco (tão naturais…) e autónomos: raiz-ante-raiz… reduzindo-se cada vez mais a distância entre mim e elas e eles (oliveiras e sobreiros…) e eu sentado à sombra, expectante… E, já à minha beira, auscultar-me-iam com aquela sua ternura e simplicidade:
–“Que tens?... Que se passa contigo hoje?... Porque estás ai tão sozinho e imóvel?...”

De novo o meu olhar a percorrer hectares e hectares de planície…
Já mais a Sul… e no lazer da manhã de hoje (mais um dia, e: um domingo).

Vejo famílias… E crianças trepam de joelhos para as cadeiras de zinco das esplanadas da vila… – cadeiras pintadas de um verde escuro.
(Grândola).
Tomamos aí, numa dessas esplanadas, o habitual café da manhã. Empurro o gosto do café até que se plasme na minha alma com a ajuda de um cigarro acesso entre os dedos que me arrefecem... (está frio).
Há crianças e há pombos… e há o azul… e há a cor da paz entre os meus olhos e a copa das árvores… e estas (as árvores) a não se mexerem com medo que elas próprias perturbem tudo isto… ou seja: medo de mutilarem esta paz. Mas as árvores são pacíficas, e a sorte é que haverá sempre paz em algum e qualquer lugar do mundo enquanto houver crianças a treparem de joelhos para as cadeiras de zinco das esplanadas das vilas, das aldeias e das cidades… estejam essas cadeiras de zinco pintadas de verde escuro ou de outra qualquer cor. E, ao mesmo tempo que isto, mais pombos e mais azul… e as copas das árvores sem fazerem sequer um gesto… (na mesma silenciosas e irrepreensíveis).

… À minha frente o meu espelho … o meu desdobramento; a duplicação de mim; a minha cara-metade de há duas dúzias de anos (a minha mulher) … e é boa esta eternidade.
… E além mim; além ela… (além nós) – pelo caminho – o Além-Tejo; o Além-Sado; o Além-Arrábida…
Cada alongar do olhar sobre o azul é um titânico passo além mim: além de Lisboa; além do Tejo; além da Arrábida; além do Sado…
Os passos mais seguros são os que são dados sobre o céu… – mais seguros que os que são dados sobre as pedras, sobre os areais, sobres os musgos, sobre os húmus, ou sobre as ervas rasteiras dos campos… (é esta a minha experiência, e a minha palavra…).
…E quanto mais céu, tanto melhor – não importa onde se esteja: que haja azul; que haja céu… (o céu cura todas as cegueiras)…

(A Sul)… E a nostalgia em que me diluo neste tempo, ora presente, ora anacrónico
Olho as árvores deste pomar: ei-las… (elas reconhecem-me… – pois já somamos uns tantos e bons anos de relação em confiança…), e até me parece que elas se agacham para que eu lhes chegue aos ramos mais altos… – poem-se a jeito à semelhante dos cachorros quando esperam receber sobre o dorso o afago da mão de um humano que deles se aproxima e debruça.
Mas as árvores não são tão expressivas assim a revelarem os seus desejos e a agradecerem os afectos… Não pulam para nós como os cães, nem se roçam às canelas e às barrigas das nossas pernas como o fazem os felinos de estimação...
Toco nas árvores do pomar para lhes colher os frutos… Mas não vejo o rosto das árvores… (As árvores não têm cara… por isso não têm olhos… As árvores, neste particular, são distintas dos animais e dos humanos… Assim sendo, não podemos ver as árvores chorando de comoção e de saudades… mas sei que elas choram…, e quase juro que as ouço dizerem-me baixinho: “volta… não te esqueças de que estamos aqui… Não te esqueças que existimos…” – isto as árvores falando-me ao ouvido, e agachando-se para que eu lhes chegue aos ramos mais altos.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 
M. J. Gama Duarte

18 de Dezembro de 2011





M. Gama Duarte

As árvores que se agacham para que eu lhes chegue aos ramos mais altos

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