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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015



Pintura
Sem título
Materiais: Aguarela, pastel, carvão, tinta da china

Suporte: papel





O imanente e o inesquecível 
(Crónica)


    
Naquela tarde Lúcio, em pensamento, recordou aqueles tempos:

Bem me lembro… era sempre por esta altura do ano (no princípio de Dezembro) que, mais dia menos dia, à conversa com o meu amigo Gonçalo ele me contava a sua ida, dias atrás, ao mercado da vila… ou dizia-me que em breve por lá passaria e de lá viria com o cabazinho do costume atestado… E tudo o que trazia se destinava já aos festejos de Natal partilhados em casa e em família…”.

Nesses tempos que Lúcio recordava, Gonçalo ainda vivia para os lados da Ericeira, mas frequentemente se deslocava a Lisboa.
Quando em conversa vinha à baila a tal corrida ao mercado da vila – o que já era tradição –, mais uma vez ficava reforçada a certeza de que o amigo Gonçalo se mantinha um rapaz organizado e precavido, abastecendo-se a tempo de tudo o necessário, e convenientemente. Diferente de outros que, sem emenda e repetindo o mesmo descuido dos anos passados, guardam tudo para “a última hora”, e que, por assim ser seu costume, se metem em embaraços…

Lúcio tinha ainda consigo um livro que o seu amigo lhe emprestara no início do ano transacto – isto após o Natal, e precisamente durante um jantar que o amigo Gonçalo oferecera aos seus mais íntimos e chegados: familiares e amigos do peito.
No dia a seguir a essa noite, ainda de madrugada, Gonçalo viajaria rumo a Salamanca. Tinha já as malas aviadas, e planos bem definidos em mente que pretendia concretizar num período que iria pouco além de um ano.

Quanto ao livro emprestado pelo amigo – uma magnífica e obra de Eduardo Lourenço –, Lúcio já o tinha lido e relido – o que lhe valeu um dilatar de horizontes, e uma oportunidade de se debruçar, detalhadamente, sobre certos aspectos da pintura até então quase invisíveis a seus olhos.

– “E agora quando te devolvo esta relíquia, oh Gonçalo?… Não sei se terei oportunidade de ir a Salamanca no próximo ano…” – Foram estas as palavras de Lúcio, preocupado, ao pegar no livro (naquela obra prima) que Gonçalo lhe estendia a título de empréstimo. E Gonçalo, com a habitual ironia e gentileza, comentou:  

– “Fazes bem se fores a Salamanca… Mas recuso-me a imaginar que lá apareças expressamente para me devolveres o livro… Que apareças (isso sim!) com o objectivo de me visitares e conheceres melhor a cidade…”.

A primeira vez Lúcio visitou Gonçalo em Salamanca foi no mês de Abril do primeiro ano de permanência do amigo naquela cidade. E três meses antes do regresso de Gonçalo a Portugal, Lúcio volta a Salamanca para o visitar segunda vez.
Porém, a meio do projecto que levara Gonçalo a permanecer durante quase dois anos na cidade de Salamanca, surge uma oferta de aluguer de casa na cidade de Guarda, que Gonçalo acha irrecusável.
Gonçalo mudar a sua residência em Portugal para aquela cidade mais a Norte.
As notícias sobre si e o seu trabalho em Espanha, passaram, principalmente, a saber-se no círculo de amigos que deixara em Portugal por intermédio da sua mulher Josefa.  
Josefa vinha frequentemente a Lisboa para estar com familiares e amigos. E meses volvidos sobre a partida de Gonçalo para Espanha, Lúcio passou a perguntar de vez em quando a Josefa:

– “Então o Gonçalo quando regressa?... não se saturou ainda de estar longe?” – pergunta a que Josefa respondia da seguinte maneira:

– “Não é tão longe assim, Lúcio… Mas ele está prestes a dar por cumpridos os seus compromissos… O projecto é bom, o trabalho corre bem… e não tem havido contratempos... E lembro-me de que o Gonçalo me disse que lhe escreveste e lhe contaste os encontros que tens tido com o Lauro Telmo…”  

Lúcio confirmou o envio dessa carta a Gonçalo de que lhe falava Josefa:

 – “É verdade… vi o Lauro uma vez na Primavera passada e outra já no Verão sem que pudesse falar-lhe. Só da terceira vez que o vi podemos falar (um acaso)… – um acaso agradável depois de tantos anos… Tínhamos perdido o contacto um do outro… Estive com ele uma quarta vez, e estes encontros têm sido a oportunidade de revivermos aqueles bons tempos… aquela camaradagem: as tertúlias que fazia-mos na adega do “ti Antero”… E esses encontros (eu e o Lauro), servirão para aliviarmos nostalgias”.   

Pois Lúcio, na carta que escrevera a Gonçalo, havia-lhe contado:

– “Pois caro Gonçalo, da primeira vez que vi Lauro Telmo, não houve possibilidades de nos aproximarmos... Eu viajava de eléctrico em Lisboa na carreira 28, e ao passar na Baixa Chiado, ali ao Camões, avistei-o ao longe a atravessar a Rua Garrett em direcção ao café “A Brasileira”. Isto à noite, e no início de Junho… Estava um tempo esplêndido para usufruir da animação exterior… Saí duas paragens a seguir porque o propósito que me levava aquela zona da cidade (o Bairro Alto), era assistir com a minha mulher, a mais uma palestra na Galeria Matos Ferreira que fica mesmo ali ao princípio da Rua Luz Soriano, nas bandas do Calhariz.
      E no primeiro fim-de-semana de Julho desse mesmo ano (2007), revelava-me o destino que em si mesmo estava escrito que mais uma vez (a segunda vez) não era o momento de um reencontro face a face com o nosso amigo Telmo. Vimo-lo sem que ele nos tivesse visto. E estava-mos relativamente perto dele. Mas a deslizante onda de multidão, curiosa e entusiasmada, ao sabor da qual éramos levados, travava uma constante luta contra o nosso desejado reencontro…
O caso ocorreu desta vez em Tomar durante a tradicional e popular Festa dos Tabuleiros que naquela cidade se realiza de quatro em quatro anos.  
E veio a ser este ano (2008), numa tarde de Sábado no CCB, a terceira vezes que vimos Lauro Telmo desde que tu, amigo Gonçalo, partiste para Salamanca cheio de expectativas e fé… E nenhumas dúvidas de que lá fluiria toda a inspiração necessária ao avanço do teu projecto cinematográfico.
Nesse dia em que vimos Lauro, era fim-de-semana o decorria no CCB o anual Festival de Música, que desde há alguns anos tem vindo a privilegiar a cidade de Lisboa com a presença de importantes nomes e importantes obras…
Tinha-mos então, eu e a minha mulher, acabado de assistir a um recital de piano e canto, e, já no exterior do edifício, descíamos a escadaria de pedra que termina no átrio amplo que comunica com a rua. Dali mesmo, da escadaria, e antes de pisarmos o último degrau, observávamos um apreciável adjunto de pessoas que formava uma espessa cintura à volta de cerca de uma dúzia de pitorescos personagens trajados a preceito. Cada um deles envergando seu instrumento musical que primorosamente tocavam.
Telmo misturava-se naquela pequena e animada multidão. De entre a assistência, alguém (uns poucos) – presumivelmente os mais desinibidos e foliões – já haviam saltado para perto dos músicos e, gordos de genica, dançavam. Iam conquistando espaço para mais livremente darem expressão aos seus movimentos – os quais se impregnavam daqueles sons que brotavam dos bombos, tambores, pandeiretas, violinos, flautas, pífaros, gaitas de foles… e sei lá que mais...

          Avancei rompendo a cintura humana que delirante sorria, batia palmas e baloiçava a cabeça ao compasso da música… Toquei no ombro de Telmo e falei-lhe efusivamente. Arranquei-lhe assim um escancarado sorriso ao encarar-me depois de se virar. E soltou logo de imediato um sonoro “Oh pá!!!... tás porreiro”. Abraçamo-nos de forma espontânea… solta. Não destoando de forma alguma os nossos modos no meio da animação que reinava, e do clima geral de um excepcional entusiasmo.
Guardámos as recordações e as novidades para o momento seguinte – momento esse logo combinado para a noite desse mesmo dia.
Jantámos juntos por ali perto… num restaurante antigo nas traseiras da Rua de Belém, que tem uma magnífica vista para o jardim e o Tejo.

– Sabes que vi a Dulce?... Lembraste da Dulce…(?!) – a Dulce Filipa” –Surpreendeu-me Telmo.
       Todos, os do nosso tempo (dos tempos das tertúlias) conheceram a Dulce. Vagamente eu me lembrava dela… Mas sabia que havia sido sólida a amizade entre a Dulce e o Telmo. Dulce até veio a ser madrinha de baptismo do primeiro filho de Telmo. Mas de pouco me lembrava do princípio e do evoluir da amizade entre os dois. Mas senti que Telmo fazia questão… tinha sincera vontade de falar dos tais velhos tempos.
Eu a minha mulher e o Telmo, passámos quase todo o jantar em conversa animada. Falando de tudo o que foram as experiências comuns e do rumo que cada um dos que fizeram parte daquele grupo coeso, tomou na vida. E falámos também dos novos tempos: Flávio abraçou a docência; Carlos é actor… faz frequentes viagens ao estrangeiro e participa em eventos cuja motivação é o intercâmbio de experiências e conhecimentos na área das artes teatrais; Marília seguiu agronomia e fixou-se no Ribatejo numa herdade que lhe deixaram os avós, e aí se dedica a um projecto de produção e comercialização de produtos biológicos; Bárbara Reis, interessada em antropologia, após a formatura nem um ano se segurou por cá… e hoje mantêm um lugar de relevo na UNESCO; Leonor escreve regularmente num jornal diário do Norte… faz traduções e é autora de dois romances de razoável sucesso; Leonardo sempre se interessou por velharias, e continua louco por carros. E então alugou uma oficina e dedica-se a recuperar carros antigos; Anselmo herdou a pequena tipografia do avô em Coimbra… dedicou-se aos livros, é alfarrabista, e é editor; o Arnaldo, fã da culinária, fez percurso nessa especialidade e já conhecem metade das cozinhas de Portugal; Anselmo terminou o conservatório… dá aulas de música e é proprietário de um restaurante em Évora, com condições que permitem a realização de espectáculos e a apresentação de edições de autor de jovens valores na área das letras; Dulce singra na pintura”.
Dulce havia oferecido a Telmo um convite para a inauguração da sua próxima exposição, que por acaso era no Sábado da semana seguinte… Telmo propôs-nos que fossemos com ele.
       Mas foi para Telmo um momento particularmente alto durante o jantar quando de novo veio à conversa o recente reencontro que teve com Dulce, e exteriorizou:
       – É verdade, … imagina bem vocês!... – isto passados uns doze anos...
Tinha-mos perdido completamente o rasto um do outro (por culpa minha … e sempre me doeu o facto de ter sido por culpa minha…). Mas também sempre acreditei que um dia o reencontro aconteceria… – seria meio acreditar e meia esperança. Mas cumprimentámo-nos com se nunca tivesse existido entre nós aquele interregno dos tais aproximadamente doze anos… quase foi como se o nosso anterior encontro tivesse acontecido apenas há meses…
          … Eu e a Dulce conhecemo-nos quando ambos estudávamos restauro na Fundação Ricardo Espírito Santo, aqui em Lisboa. Lembro-me da primeira vez que lhe falei – foi para lhe pedir um x-acto emprestado. Frequentávamos então o mesmo curso e éramos colegas de turma. Ela morava no Bairro da Mouraria, e praticamente desde que soubemos que morávamos perto um do outro, após as aulas, passámos a fazer juntos, e a pé, o caminho de regresso às respectivas casas. Foi o princípio de uma simpatia que evoluiu rapidamente para uma amizade sólida. Pouco tempo depois comecei a frequentar a sua casa. Era uma casa nada comum comparada com as casas tradicionais a que eu estava habituado… – era uma casa que reunia muita gente; havia quase sempre visitas; era um ambiente onde facilmente se proporcionava conhecer uma nova cara. A Dulce e o filho (o André), que tinha cinco anos e meio de idade, viviam em casa do Vasco e da Aurora (pais da Dulce). Vivia também na mesma casa o Frederico – o irmão de Dulce… este mais novo que Dulce.       
         … A amizade com Dulce foi para mim uma ponte para novas amizades… e Juntei a essas minhas novas amizades, antigas amizades – estas últimas, por sinal, boas mas muito poucas… conseguidas em momentos distintos da minha infância, adolescência e início da juventude…
        – O nosso reencontro merece um brinde amigo Telmo – considerei.
         – E bebamos também à reafirmação da nossa amizade de quase vinte anos – reforçou Telmo.
         E Telmo continuou:
        “– Então juntamo-nos no Sábado na exposição da nossa amiga Dulce?... Tenho um convite, como sabeis… posso levar amigos. Ela vai lembrar-se de ti e da tua mulher (nossa amiga também).
A galeria é em Évora… ou melhor: as telas encontram-se no espaço das exposições na Fundação Eugénio de Almeida. Ah!... e outra coisa que não cheguei a dizer-vos: A Dulce associou-se há tempos com o Orlando, e entendem-se lindamente no negócio do tal Restaurante que ele abriu em Évora (o tal restaurante de que há pouco falámos). Podemos combinar sair daqui juntos, bem cedinho, no próprio dia... ainda a tempo de almoçarmos com a Dulce. P’ra isso eu telefono-lhe…
        
          Telmo olhava-nos bem disposto e atento. E percebeu pela expressão dos nossos rostos que aprovávamos, sem reservas ou hesitação, o seu plano. E reagiu com redobrada boa disposição:
          – Óptimo. Assim sendo, falaremos ainda a meio da semana que vem… Certo?...”
  
Josefa continuava atenta a reprodução oral, quase perfeita, da carta que Lúcio havia escrito e enviado a Gonçalo. E Lúcio continuou:
  
          “E terminei assim:
Caro Gonçalo. Não poderia esquecer-me de te dizer que também falámos de ti… porque também relativamente a ti, o Telmo perdeu o contacto.
         Mas ficou a saber que estás em Salamanca, e manifestou interesse em conhecer as tuas produções no âmbito desse universo fascinante e mágico que é a Sétima Arte.     
          
        
     
Um abraço,
Lúcio"
                                                                             

                                                                         

M. J. Gama Duarte



Obs. Narrativa de ficção inspirada em vivências reais, e dedicada à minha família, aos amigos, e a todos aqueles com quem tem sido possível uma convivência em clima de camaradagem, fraternidade e respeito.










  
Postal impresso e editado por ARTES e LETRAS - LIVRARIA ANTIQUÁRIA

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