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terça-feira, 12 de maio de 2015




Rosa Maria Duarte
a poetisa,  fadista e pintora,
a quem dedico esta crónica 





As telas,
o sono dos sons

… e deambulações nocturnas





"Fotograma 1"


“Fotograma” 2


“Fotograma” 3



“Fotograma” 4



                                  “Fotograma” 5

M. Gama Duarte / 2015 (Instalação)




Talvez entre paredes; talvez entre espelhos…
(entre paredes e espelhos) o silêncio signifique o profundo, mas atento, sono dos sons… – o silêncio/espaço onde os sons adormecem como que no leito de um suave velado… ou de um translúcido… ou mesmo de um absoluto transparente.   

Mas há sempre um som de vigília… Um finíssimo zumbido de sentinela num ponto/centro interno do nosso ouvido… – um som que possivelmente em nós (no nosso centro) já exista mesmo antes de nos ser dado corpo (mesmo antes de sermos O Ser que somos, isto é: antes de sermos gerados).
Esse silêncio também existe (ouvimo-lo se estivermos atentos) entre o céu e a terra e entre o céu e o mar.
Submerso nele – nesse silêncio, que é por ventura o sono dos sons – despertava a minha mente…


Noite.
Há poemas em que a palavra Noite é o 1.º verso… Não sei se alguma vez escrevi um poema em que a primeira palavra tenha sido Noite (não creio que alguma vez tenha acontecido começar assim um poema).  

E hoje: Noite (a palavra) aparece no meio desta minha reflexão com expressão escrita (e não é um poema o que neste preciso momento escrevo) … e, no contexto em questão, é simplesmente a Noite...  - a Noite deixando-se a si própria ser total… deixando-se ser ela própria… E eu nela deambulando entre paredes (não entre espelhos: entre paredes pela casa… e apenas pela casa).

Desliguei há pouco o portátil, porque dei por terminada a minha secção da Noite de hoje.

De passagem pela sala/estúdio, mais uma vez a impressão de que os objectos se calam ao eu entrar e me deixar ficar… (os objectos intimidam-se). Mas porquê intimidarem-se se já lhes sou tão familiar (?)… E eles “são meus” (… são “os meus”, e "os nossos”, objectos: os objectos da casa).
Mas serão meus (?)… serão os meus (os nossos) objectos (?)…
– Não!...
Eles são deles próprios… E a Noite é dela própria.

Mas afinal de que estariam conversando os objectos?... (não resisto a uma única oportunidade de saber de que conversavam).
Por ora imagino que comentando, quiçá, a nova presença do dia (da Noite)… Todavia algo já habitual (as novas presenças) naquele silêncio/espaço onde os sons vão adormecendo… Um silêncio/espaço prenhe de surpresas, que a eles – (objectos) – lhes vai tirando o sono, por gratificantes motivos, logo que, adormecidos, os sons sosseguem.
Ficam as cores… as formas… E as fragrâncias que, inaladas que sejam, dão a saber de que cor, de que traço e de que forma se libertaram.

Sobre o cavalete, plasmados na tela, são presentes agora as aves (pássaros!…) Haviam antes surgido (em outras telas): a estrela com o Sol ao centro, as claves de Sol… o busto daquele senhor de barbas com os olhos atraídos por um horizonte que dali ninguém vê (só ele o enxerga) – o senhor que talvez seja o músico que toca as guitarras que chegaram antes e estão algures por perto… Mas o senhor mais possui ar de poeta que de guitarrista.

– Cá para mim é o Herberto Helder – alvitrou o Júlio César Machado depois de ter estado de confidências com o cavalo de estanho (como era do seu gosto), e de ter passado uns segundos pelas brazas.     
  

– Gosto daquele quadro ali com um quarteto de pinceis – revelaria o pequeno buda de loiça. E a título de suposição acrescentaria:
– Aqueles quatro pinceis aparentam ser muito amigos… e se calhar até são alentejanos e sabem cantar. E, caso saibam cantar, talvez se aproximem do quinteto de pássaros e resolvam fazer um coro juntos.

E a respeito de todas estas aparições estariam por ventura a comentar os simpáticos objectos que habitam as prateleiras da estante – isto antes de me verem entrar... – aparições com as quais os simpáticos objectos se iam distraindo e maravilhando…   

… E nisto imaginava-os, numa ânsia de espreitarem – em total precipitação de curiosos –, a atropelarem-se e a debruçarem-se da estante. E entre eles uma voz preocupada: – E se um de nós tombasse e se despenha-se daqui?... Talvez, com sorte, embatesse e ficasse estatelado naquele quadro cheio de folhas pintadas a cores frescas… as quais serão certamente fofas… E sempre era mais confortável o quadro das folhas que o mosaico rijo e frio.
E nisto o Gil, empertigado – crescendo por cima de um dos seus colegas de prateleira, rematou:
- E até imagino (o quanto seria giro) eu num voo levando daqui ao chão (absolutamente em queda livre).
E o gato de gesso:
- Seria giro para ti… que és de matéria leve... e não te quebras. Mas nós não teríamos o mesmo destino se nos despenhasse-mos daqui: ficávamos dramática e irremediavelmente desfeitos em milhentos fanicos…
E a zebra de porcelana, metendo-se na conversa, considerou:
– É claro que contigo seria diferente, Gil… Ao mesmo tempo que seria uma diversão para nós: redobraria o interesse do espectáculo (gozaríamos de uma pança de riso) se a senhora que pinta os quadros, num gesto redondo de braço, como se no ar pintasse um arco-íris, te atingisse enquanto voavas. Não só ficarias atordoado como também mudarias instantaneamente de cor.  


A acreditar, haviam sido estas as últimas palavras pronunciadas pelos objectos na parte final de uma troca de impressões entre eles… Mas que, porém, se acautelaram remetendo-se ao mutismo logo que deram conta de eu entrar na sala/estúdio.

Não querendo intrometer-me no seu ambiente, conservei a minha postura discreta não dando aso ao mais ténue sinal de suspeita de que por ali se passava algo singular (algo típico de um mundo fabuloso e encantado).
Sem esperar descobrir algo de especial, com o olhar dei uma ligeira vassourada pelos mosaicos. Quem sabe se a minha presença ali, naquele preciso instante, não me daria a oportunidade de consumar a minha boa acção do dia, acudindo a uma voz que me suplicasse:
– Tu aí, amigo!.. Por favor: dá-me uma mãozinha porque eu não consigo levantar-me sozinho (sou um simples boneco irrequieto que se deixou caiu da estante)… Agradeço-te que me devolvas ao lugar a que pertenço.

Inspeccionei mais uma vez, num relance de olhar, o chão da sala/estúdio prolongando o meu momento de fantasia que se alimentava da minha imaginação...
Mas nada.

Regressei então à realidade, e sorri...
Fazia (isso sim) parte da realidade, a beleza das telas que ali abundavam.
Mas os personagens da presente fabulação, apesar de imóveis e sem voz, não deixavam de possuir também a sua realidade… (a sua vida).



M. Gama Duarte
13-05-2015


                                 

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