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quarta-feira, 22 de julho de 2015



O dia 20 de Julho foi o dia do amigo:
Dia internacional da Amizade.

Estava na manhã desse dia – ainda nem 9 horas – de carro a caminho de Setúbal (em sentido oposto… – digamos para Sul)... ao contrário do habitual em dias de semana… (pois era Segunda-Feira).
Ouvia a rádio… e foi através de uma das emissões radiofónicas do momento que soube que afinal existia um Dia Internacional da Amizade… (mais vale tarde que nunca…  – diz o povo).
Ainda nem 9 da manhã… (Um dia inteiro pela frente…).
Pensei : tenho que escrever (ou dizer) algo que venha a propósito…
Não o fiz no dia em que mais oportuno era  fazê-lo…
Faço-o hoje (22 de Julho do ano de 2015… Dois dias depois)
… E afinal o que hoje faço não é mais que reeditar a seguir um texto já por mim publicado neste blogue no dia 4 de Fevereiro deste ano.
É uma crónica que manifesta uma sincera gratidão… (provavelmente a crónica mais nostálgica que até hoje escrevi… Ou uma das mais nostálgicas).
Além do amigo em quem pensava no momento, outros (de entre os quais uns igualmente antigos e outros mais recentes) lhes juntaria…
Entre os recentes,  novos amigos que conheci entretanto nos ambientes do fado (Mouraria, Alfama, Bairro Alto…) juntaria.
Estes outros de que falo, ao lerem as linhas deste texto (se as lerem... - palavras do coração) perceberão que subliminarmente a eles me refiro.

Um forte abraço para todos vós (caros amigos).         


M. Gama Duarte
22 de Julho de 2015
 

            


O imanente e o inesquecível 
(Crónica)


    
Naquela tarde Lúcio, em pensamento, recordou aqueles tempos:

Bem me lembro… era sempre por esta altura do ano (no princípio de Dezembro) que, mais dia menos dia, à conversa com o meu amigo Gonçalo ele me contava a sua ida, dias atrás, ao mercado da vila… ou dizia-me que em breve por lá passaria e de lá viria com o cabazinho do costume atestado… E tudo o que trazia se destinava já aos festejos de Natal partilhados em casa e em família…”.

Nesses tempos que Lúcio recordava, Gonçalo ainda vivia para os lados da Ericeira, mas frequentemente se deslocava a Lisboa.
Quando em conversa vinha à baila a tal corrida ao mercado da vila – o que já era tradição –, mais uma vez ficava reforçada a certeza de que o amigo Gonçalo se mantinha um rapaz organizado e precavido, abastecendo-se a tempo de tudo o que era necessário, e conveniente. Diferente de outros que, sem emenda e repetindo o mesmo descuido dos anos passados, guardam tudo para “a última hora”, e que, por assim ser o seu costume, se metiam em embaraços…

Lúcio tinha ainda consigo um livro que o seu amigo lhe emprestara no início do ano transacto – isto após o Natal, e precisamente durante um jantar que o amigo Gonçalo oferecera aos seus mais íntimos e chegados: familiares e amigos do peito.
No dia a seguir a essa noite, ainda de madrugada, Gonçalo viajaria rumo a Salamanca. Tinha já as malas aviadas, e planos bem definidos em mente que pretendia concretizar num período que iria pouco além de um ano.

Quanto ao livro emprestado pelo amigo – uma magnífica obra de Eduardo Lourenço –, Lúcio já o tinha lido e relido – o que lhe valeu um dilatar de horizontes, e uma oportunidade de se debruçar, detalhadamente, sobre certos aspectos da pintura até então quase invisíveis a seus olhos.

– “E agora quando te devolvo esta relíquia, oh Gonçalo?… Não sei se terei oportunidade de ir a Salamanca no próximo ano…” – Foram estas as palavras de Lúcio, preocupado, ao pegar no livro (naquela obra prima) que Gonçalo lhe estendia a título de empréstimo. E Gonçalo, com a habitual ironia e gentileza, comentou:  

– “Fazes bem se fores a Salamanca… Mas recuso-me a imaginar que lá apareças expressamente para me devolveres o livro… Que apareças (isso sim!) com o objectivo de me visitares e conheceres melhor aquela bela cidade…”.

A primeira vez Lúcio visitou Gonçalo em Salamanca foi no mês de Abril do primeiro ano de permanência do amigo naquela cidade. E três meses antes do regresso de Gonçalo a Portugal, Lúcio volta a Salamanca para o visitar segunda vez.
Porém, a meio do projecto que levara Gonçalo a permanecer durante quase dois anos na cidade de Salamanca, surge uma oferta de aluguer de casa na cidade de Guarda, que Gonçalo acha irrecusável.


Pintura de Rosa Maria Duarte / 2015

Título: 
O Mar
Materiais: 
Óleo sobre tela
Gonçalo muda a sua residência em Portugal para aquela cidade mais a Norte.
As notícias sobre si e o seu trabalho em Espanha, passaram, principalmente, a saber-se no círculo de amigos que deixara em Portugal por intermédio da sua mulher, Josefa.  
Josefa vinha frequentemente a Lisboa para estar com familiares e amigos. E meses volvidos sobre a partida de Gonçalo para Espanha, Lúcio passou a perguntar, de vez em quando, a Josefa:


– “Então o Gonçalo quando regressa?... não se saturou ainda de estar longe?” – pergunta a que Josefa respondia da seguinte maneira:


– “Não é tão longe assim, Lúcio… Mas ele está prestes a dar por cumpridos os seus compromissos… O projecto é bom, o trabalho corre bem… e não tem havido contratempos... E lembro-me de que o Gonçalo me disse que lhe escreveste e lhe contaste os encontros que tens tido com o Lauro Telmo…”  

Lúcio confirmou o envio dessa carta a Gonçalo de que Josefa lhe falava:

 – “É verdade… vi o Lauro uma vez na Primavera passada e outra já no Verão sem que pudesse falar-lhe. Só da terceira vez que o vi podemos falar (um acaso)… – um acaso agradável depois de tantos anos… Tínhamos perdido o contacto um do outro… Estive com ele uma quarta vez, e estes encontros têm sido a oportunidade de revivermos aqueles bons tempos… aquela camaradagem: as tertúlias que fazia-mos na adega do “ti Antero”… E esses encontros (eu e o Lauro), serviram para aliviarmos nostalgias”.   

Pois Lúcio, na carta que escrevera a Gonçalo, havia-lhe contado:



– “Pois caro Gonçalo, da primeira vez que vi Lauro Telmo, não houve possibilidades de nos aproximarmos... Eu viajava de eléctrico em Lisboa na carreira 28, e ao passar na Baixa Chiado, ali ao Camões, avistei-o ao longe a atravessar a Rua Garrett em direcção ao Café “A Brasileira”. Isto à noite, e no início de Junho… Estava um tempo esplêndido para usufruir da animação exterior… Saí duas paragens a seguir porque o propósito que me levava aquela zona da cidade (o Bairro Alto), era assistir com a minha mulher, a mais uma palestra na Galeria Matos Ferreira que fica mesmo ali ao princípio da Rua Luz Soriano, nas bandas do Calhariz.
Pintura de J. Faustino (João Faustino)
Título: Sem mãos e sem cabeça
Materiais: aguarela
E no primeiro fim-de-semana de Julho desse mesmo ano (2007), revelava-me o destino que em si mesmo estava escrito que mais uma vez (a segunda vez) não era o momento de um reencontro face a face com o nosso amigo Telmo. Vimo-lo sem que ele nos tivesse visto. E estava-mos relativamente perto dele. Mas a deslizante onda de multidão, curiosa e entusiasmada, ao sabor da qual éramos levados, travava uma constante demanda contra o nosso desejado reencontro…
O caso ocorreu desta vez em Tomar durante a tradicional e popular Festa dos Tabuleiros que naquela cidade se realiza de quatro em quatro anos.  

E veio a ser este ano (2008), numa tarde de Sábado no CCB, a terceira vezes que vimos Lauro Telmo desde que tu, amigo Gonçalo, partiste para Salamanca cheio de expectativas e fé… E nenhumas dúvidas de que lá fluiria toda a inspiração necessária ao avanço do teu projecto cinematográfico.
Nesse dia em que vimos Lauro, era fim-de-semana o decorria no CCB o anual Festival de Música, que desde há alguns anos tem vindo a privilegiar a cidade de Lisboa com a presença de importantes nomes e importantes obras…
Tinha-mos então, eu e a minha mulher, acabado de assistir a um recital de piano e canto, e, já no exterior do edifício, descíamos a escadaria de pedra que termina no átrio amplo que comunica com a rua. Dali mesmo, da escadaria, e antes de pisarmos o último degrau, observávamos um apreciável adjunto de pessoas que formava uma espessa cintura à volta de cerca de uma dúzia de pitorescos personagens trajados a preceito. Cada um deles envergando seu instrumento musical que primorosamente tocavam.

Telmo misturava-se naquela pequena e animada multidão. De entre a assistência, alguém (uns poucos) – presumivelmente os mais desinibidos e foliões – já haviam saltado para perto dos músicos e, gordos de genica, dançavam... Iam conquistando espaço para mais livremente darem expressão aos seus movimentos – os quais se impregnavam daqueles sons que brotavam dos bombos, tambores, pandeiretas, violinos, flautas, pífaros, gaitas de foles… e sei lá que mais...

Avancei rompendo a cintura humana que delirante sorria, batia palmas e baloiçava a cabeça ao compasso da música… Toquei no ombro de Telmo e falei-lhe efusivamente. Arranquei-lhe assim um escancarado sorriso ao encarar-me depois de se virar. E soltou logo de imediato um sonoro “Oh pá!!!... tás porreiro”. Abraçamo-nos de forma espontânea… solta. Não destoando de forma alguma os nossos modos no meio da animação que reinava, e do clima geral de um excepcional entusiasmo.
Guardámos as recordações e as novidades para o momento seguinte – momento esse logo combinado para a noite desse mesmo dia.
Jantámos juntos por ali perto… num restaurante antigo ("O Rolhas") nas traseiras da Rua de Belém, que tem uma magnífica vista para o jardim e o Tejo.

– Sabes que vi a Dulce?... Lembraste da Dulce…(?!) – a Dulce Filipa” – Surpreendeu-me Telmo.

       Todos os do nosso tempo (dos tempos das tertúlias) conheceram a Dulce. Vagamente eu me lembrava dela… Mas sabia que havia sido sólida a amizade entre a Dulce e o Telmo. Dulce até veio a ser madrinha de baptismo do primeiro filho do Telmo. Mas de pouco me lembrava do princípio e do evoluir da amizade entre os dois. Mas senti que Telmo fazia questão… tinha sincera vontade de falar dos tais velhos tempos.



Foto  da autoria de João Basílio
Eu a minha mulher e o Telmo, passámos quase todo o jantar em conversa animada... Falando de tudo o que foram as experiências comuns e do rumo que cada um dos que fizeram parte daquele grupo coeso, tomou na vida. E falámos também dos novos tempos: Flávio abraçou a docência; Carlos é actor… faz frequentes viagens ao estrangeiro e participa em eventos cuja motivação é o intercâmbio de experiências e conhecimentos na área das artes teatrais; Marília seguiu agronomia e fixou-se no Ribatejo numa herdade que lhe deixaram os avós, e aí se dedica a um projecto de produção e comercialização de produtos biológicos; Bárbara Reis, interessada em antropologia, após a formatura nem um ano se segurou por cá… e hoje mantêm um lugar de relevo na UNESCO; Leonor escreve regularmente num jornal diário do Norte… faz traduções e é autora de dois romances de razoável sucesso; Leonardo sempre se interessou por velharias, e continua louco por carros... e então alugou uma oficina e dedica-se a recuperar carros antigos; Anselmo herdou a pequena tipografia do avô em Coimbra… dedicou-se aos livros, é alfarrabista, e é editor; o Arnaldo, fã da culinária, fez percurso nessa especialidade e já conhece metade das cozinhas de Portugal; o Lourenço especializou-se em cartografia e fez carreira no exército; o Miguel formou-se em teologia, é bibliotecário e pastor numa igreja evangélica; o Orlando terminou o conservatório… dá aulas de música e é proprietário de um restaurante em Évora, com condições que permitem a realização de espectáculos e a apresentação de edições de autor de jovens valores na área das letras; Dulce singra na pintura”.
Dulce havia oferecido a Telmo um convite para a inauguração da sua próxima exposição, que por acaso era no Sábado da semana seguinte… Telmo propôs-nos que fossemos com ele.


       – É verdade, … imagina bem vocês!... – isto passados uns doze anos...Mas foi para Telmo um momento particularmente alto durante o jantar quando de novo veio à conversa o recente reencontro que teve com Dulce, e exteriorizou:
Tinha-mos perdido completamente o rasto um do outro (por culpa minha … e sempre me doeu o facto de ter sido por culpa minha…). Mas também sempre acreditei que um dia o reencontro aconteceria… – seria meio acreditar e meia esperança. Mas cumprimentámo-nos com se nunca tivesse existido entre nós aquele interregno dos tais aproximadamente doze anos… quase foi como se o nosso anterior encontro tivesse acontecido apenas há meses…
          … Eu e a Dulce conhecemo-nos quando ambos estudávamos restauro na Fundação Ricardo Espírito Santo, aqui em Lisboa. Lembro-me da primeira vez que lhe falei – foi para lhe pedir um x-acto emprestado. Frequentávamos então o mesmo curso e éramos colegas de turma. Ela morava no Bairro da Mouraria, e praticamente desde que soubemos que morávamos perto um do outro, após as aulas passámos a fazer juntos, e a pé, o caminho de regresso às respectivas casas. Foi o princípio de uma simpatia que evoluiu rapidamente para uma amizade sólida. Pouco tempo depois comecei a frequentar a sua casa. Era uma casa nada comum comparada com as casas tradicionais a que eu estava habituado… – era uma casa que reunia muita gente; havia quase sempre visitas; era um ambiente onde facilmente se proporcionava conhecer uma nova cara. A Dulce e o filho (o André), que tinha cinco anos e meio de idade, viviam em casa do Vasco e da Aurora (pais da Dulce). Vivia também na mesma casa o Frederico – o irmão de Dulce… este mais novo que Dulce.       
         … A amizade com Dulce foi para mim uma ponte para novas amizades… e Juntei a essas minhas novas amizades, antigas amizades – estas últimas, por sinal, boas mas muito poucas… conseguidas em momentos distintos da minha infância, adolescência e início da juventude…
        – O nosso reencontro merece um brinde amigo Telmo – considerei.
         – E bebamos também à reafirmação da nossa amizade de quase vinte anos – reforçou Telmo.
         E Telmo continuou:
        “– Então juntamo-nos no Sábado na exposição da nossa amiga Dulce?... Tenho um convite, como sabeis… posso levar amigos. Ela vai lembrar-se de ti e da tua mulher (nossa amiga também).
A galeria é em Évora… ou melhor: as telas encontram-se no espaço das exposições na Fundação Eugénio de Almeida. Ah!... e outra coisa que não cheguei a dizer-vos: A Dulce associou-se há tempos com o Orlando, e entendem-se lindamente no negócio do tal Restaurante que ele abriu em Évora (o tal restaurante de que há pouco falámos). Podemos combinar sair daqui juntos, bem cedinho, no próprio dia... ainda a tempo de almoçarmos com a Dulce. P’ra isso eu telefono-lhe…
        
          Telmo olhava-nos bem disposto e atento. E percebeu pela expressão dos nossos rostos que aprovávamos, sem reservas ou hesitação, o seu plano. E reagiu com redobrada boa disposição:
          – Óptimo. Assim sendo, falaremos ainda a meio da semana que vem… Certo?...”
  
Josefa continuava atenta à reprodução oral, quase perfeita, da carta que Lúcio havia escrito e enviado a Gonçalo. E Lúcio continuou:
  
          “E terminei assim:
Caro Gonçalo. Não poderia esquecer-me de te dizer que também falámos de ti… porque também relativamente a ti, o Telmo perdeu o contacto.
         Mas ficou a saber que estás em Salamanca, e manifestou interesse em conhecer as tuas produções no âmbito desse universo fascinante e mágico que é a Sétima Arte.     
          
     
     
Um abraço,
Lúcio"
                                                                             

                                                                         

M. Gama Duarte




Obs. Narrativa de ficção inspirada em vivências reais, e dedicada à minha família, aos amigos, e a todos aqueles com quem tem sido possível uma convivência em clima de camaradagem, fraternidade e respeito.

E hoje, dia 22 de Julho, ao republicar este texto, não posso deixar de referir que o nome com o qual baptizei o personagem central desta narrativa (Lúcio) é o nome de um estimado amigo (Lúcio Mendonça) que partiu (falecido este mês).
Um cidadão exemplar. Todos os que o conheceram reconheceram nele as suas grandes qualidades humanas…  

Lúcio Mendonça: não te esqueceremos… Ficarás eternamente no nosso coração.       



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