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MENSAGEM AOS VISITANTES DO BLOG

Saúdo todos os que acedem a este meu Blog, venham ou não, de futuro, a tornarem-se visitantes habituais do mesmo.

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sexta-feira, 13 de maio de 2016



Cesina Bermudes

e os
Bebés-Cesina 


Um
testemunho






Conheci a Dr.ª Cesina Bermudes no ano de 1986.

Como médica – e no exercício da sua especialidade (obstetrícia) – foi ela que acompanhou as duas gravidezes da minha mulher (Rosa Maria Duarte). E, no final dos nove meses de gestação de cada um dos nossos dois filhos, foi ela também, a Dr.ª Cesina Bermudes, a parteira que clinicamente os ajudou a virem à luz. 


Dr.ª Cesina Bermudes
(Foto encontrada na net) 















As mãos generosas, sábias, experientes e expeditas da Dr.ª Cesina Bermudes, foram assim as primeiras mãos que directamente tocaram os nossos dois rebentos (o Daniel e o Artur).

Tive o privilégio de assistir a esses dois maravilhosos momentos porque, prévia e oportunamente, a Dr.ª nos informou, a mim e à minha mulher, sobre essa irrecusável possibilidade. E assegurou-nos que a oportunidade era impar… E a mesma mensagem Cesina a transmitia a todos os pais. E mais lhes dizia: o pai, além de assistir, na medida do possível deve ao mesmo tempo ajudar ao parto. E foi o que veio a acontecer quando, a convite da Dr.ª Cesina, chegou a vez de eu ter as minhas duas oportunidades.
Após equipado e esterilizado, lá fui ao lado da Dr.ª Cesina, acompanhando os seus passos, até ao interior do bloco de partos da clínica. E no momento certo, compenetrado, sereno e ciente da importância do acontecimento, prestei a minha colaboração.

* * *

Todo o processo era conduzido zelosa e criteriosamente pela Dr.ª Cesina, sendo-lhe prestado todo o necessário apoio pela equipa de enfermagem que na altura se encontrasse ao serviço.
E quanto ao papel que me foi incumbido, sob a orientação da extraordinária médica tive nas minhas mãos alguns dos instrumentos que ela veio a utilizar no decorrer de ambas as suas intervenções como parteira... E hoje, recordando esses belos momentos, posso afirmar que de facto colaborei (apesar da colaboração por mim prestada não mais ter sido que simbólica… pois a responsabilidade que me tocara era a de simplesmente ir entregando nas mãos da D.ª Cesina, um a um, à medida que mos solicitava, os necessários instrumentos que me confiara).     

* * *




A Dr.ª Cesina Bermudes tinha o seu consultório, e residência, a dois passos da esplanada onde desde há um quarto de hora tranquilamente me encontro. E aqui, e neste preciso momento, sobre simples folhas de papel vão surgindo as primeiras palavras e as primeiras linhas desta minha crónica.




M. Gama Duarte / 2016

Motivo:
Arvoredo das Avenidas Novas
(Lisboa)























Até hoje várias vezes aqui me sentei, nesta esplanada, debaixo deste arvoredo gigantesco (imponente) que me vai refrescando com as suas largas sombras. E por aqui (sentado), ponto por ponto, vou modestamente dando alinhamento a tudo o que, para lembrança, acabará por ficar registado sobre os pedaços de papel que as minhas mãos vão desencantando ora nos bolsos, ora no meio da eterna barafunda reinante no interior da velha pasta que sempre me acompanha nestas viagens ou nestas peregrinações.

* * *





Sempre que aqui volto, gosto de ter a oportunidade de me sentar a esta mesa… faz-me bem sentir o aconchego que ela me proporciona… e por isso a esta mesa me habituei… e para aqui imbico com a simples certeza de que o que procuro, e encontro, é simplesmente a tranquilidade e o recato desde amplo espaço ao ar livre.

Todavia, não obstante a circunstância de me encaminhar para esta esplanada, a paragem é por um período de tempo que não só não determino (não lhe deito contas), como, sem dúvida, será breve. Prosseguirei a minha peregrinação… como bom e legítimo filho que sou desta magnífica cidade… (nasci alfacinha…). Porém não fui (não sou) mais um de entre os tantos Bebés-Cesina… Não que tenha nascido cedo de mais para que pudesse ter tido semelhante privilégio… Muitos alfacinhas, antes e depois de mim, nasceram Bebés-Cesina…

* * *

Mais minuto menos minuto, levantar-me-ei desta cadeira. Transferir-me-ei para outra paragem. Lugar que me espera - que me espera inteiro na companhia dos meus papeis, das minhas esferográficas, lapiseiras, e dos meus pensamentos (das minhas ideias e recordações). Lá me irei recolher e lá darei prosseguimentos a esta minha crónica… Lugar esse (um outro) que fica mais perto do lugar onde pela primeira vez vi a Dr.ª Cesina Bermudes.

* * *


… E finalmente nesse Lugar: o N.º 185 da Av.ª Elias Garcia (A Sereia – Restaurante Cervejaria). Retiro onde chego e me sento… – me sento bem (nos restaurantes e cervejarias sempre gostei de me sentar em bancos altos alinhados a uma distância do balcão de mais ou menos palmo e meio… – isto quando se dá o caso de o cliente desses bancos dispor – pois ninguém desconhece que hoje em dia, infelizmente, em poucos restaurantes e cervejarias ainda sobrevive esta tradição dos bancos altos disposto a uma distância do balcão de mais ou menos palmo e meio...


















Na foto:

Imagem fotograficamente captada do painel cerâmico existente na parede de fundo do restaurante “A Sereia” (Lisboa).
Foto permitida, por gentileza, pelo Sr. Miguel.   





... E é este o lugar (o banco alto que me esperava e que se distancia do balcão cerca de palmo e meio). Lugar que venho a encontrar aquecido só por nele ter pensado antes como um lugar onde me sento bem… Mas também um lugar onde me sinto bem… Onde também bebo e como bem… Onde penso bem… e escrevo.

E sentar-me-ei no primeiro banco… logo à entrada… E aí ficarei todo o tempo… e geograficamente mais perto de onde outrora a Dr.ª Cesina tivera o seu consultório e a sua residência: Av.ª Santos Dumont – a “dois passos” de distância deste lugar onde em vários sentidos me sinto confortável… e um lugar quase no coração da cidade…

Volta e meia levanto-me, como que num deixar descair o corpo, para me caminhar até à porta que fica a três passos do banco onde me instalo… E acendo um cigarro (mas não sou grande fumador…).  
Por vezes encaro com um outro fumador (talvez mais fumador que eu) que também procura a porta pelos mesmos motivos que eu a procuro… e que, com os seus particulares tiques, não muito diferentes dos meus, igualmente queima um cigarro… E pontualmente chegamos a uma curiosa, ou trivial, troca de palavras (uma circunstancial conversa) – o que não deixa de ser reflexo do bom ambiente presenteado pela casa.
E dali olho à esquerda e os meus olhos alcançam ainda uma esquina do majestoso e emblemático Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, e ainda uma boa poção da avenida que o ladeia do lado da entrada principal… A saber – se que há quem ainda não o saiba: Avenida Calouste Gulbenkian (Lisboa).

E mais uma vez, em directo dos arquivos da minha memória, ressaltam as estimáveis lembranças que guardo da Dr.ª Cesina Bermudes… E penso: se neste momento ousasse pôr-me a caminho, percorrida que estivesse a distância de dois quarteirões para lá daquele troço de avenida, daria comigo defronte da porta do prédio onde outrora, após um simples toque no botão do 1.º andar, era previsível ouvir a voz Dr.ª Cesina Bermudes a perguntar:

– “Vai subir ou quer que eu desça?”





M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 1) 

























A Dr.ª Cesina amavelmente recebia no seu consultório a minha mulher e as outras senhoras grávidas. E logo que se manifestassem os sinais de que o esperado momento estava próximo, podiam as grávidas contar com a Drª Cesina qualquer que fosse o dia, e a qualquer hora que fosse da manhã, da tarde ou da noite.  

A Dr.ª Cesina era uma profissional inteiramente comprometida – de corpo e alma – com o exercício da sua profissão… Pois assumia e executava o seu trabalho com profundo sentido de missão.

Era com notória, mas modesta e discreta satisfação, que a Dr.ª Cesina dizia que todas as mães se tornavam suas amigas após serem assistidas e acompanhadas por si até ao nascimento dos respectivos bebés (os chamados bebés-Cesina).  

* * *




Eu e a minha mulher havia-mos recebido as melhores informações da Dr.ª Cesina. E assim – por  conselho e indicação de quem muito bem nos havia falado da Dr.ª Cesina – chegámos ao seu encontro. 

Recordo-me bem das vezes que tocámos à campainha da residência e consultório da Dr.ª Cesina. Algumas dessas vezes aconteceram por volta das três e meia da madrugada. E duas dessas aquando precisa e verdadeiramente se manifestaram na Rosa Maria (minha mulher) os sinais da entrada em trabalho de parto. A residência e consultório da Dr.ª Cesina Bermudes era o 1.º andar de um prédio na Av.ª Santos Dumont.
Surge-nos então, através do intercomunicador, a voz da Dr.ª Cesina… Cesina nestas ocasiões sempre reagia com a perfeita noção da importância de cada minuto e de cada segundo – noção apoiada na sua ciência, disponibilidade e prontidão a que nos habituava: o sentido prático; o pragmatismo… a argumentação por vezes lacónica, mas clara e denotando-se no global das suas atitudes  uma solidariedade e afecto que nos sensibilizava e conquistava (era certo que nos inspirava uma especial confiança)… e sendo também uma das suas qualidades a capacidade o saber ouvir E esta sua maneira de ser, e estar, implicava o dispor de uma boa parte do seu tempo em benefício do seu próximo.


E como eu dizia, nessa tal madrugada, por volta das treze meia, ao nosso ouvido chegava, através do intercomunicador – que não tardou dar sinal –, a voz da Dr.ª Cesina. E as suas palavras simplesmente foram as seguintes:
– “Desço já!”. 

A sua intuição certamente a havia informado que no caso era para descer. E quase nenhum tempo nos fez esperar – apareceu passados escassos minutos… e cumprimentou-nos com um atencioso, sobejo, e sonoro Boa Noite… E replicou: “Vamos lá!”. De seguida avançou diante de nós num regular e enérgico ritmo em direcção ao táxi que aguardava.
(Conhecíamos-lhe já, desde sempre, aquele jeito da passada curta e frenética).
De mão certeira e rápida accionou o manípulo da porta traseira do táxi e abriu-a:
– “Boa noite Sr. Motorista… e com licença!” – disse. Entrou e sentou-se. E eu e a minha mulher entrámos a seguir e acomodámo-nos.
E de novo se fez ouvir a voz de Cesina:
– “Sr. Motorista, é para a Clínica Cabral Sacadura rapidamente, por favor…Esta senhora entrou em trabalho de parto e eu sou a médica dela”.




M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 2) 






A Clínica Cabral Sacadura localizava-se (e localiza-se ainda hoje) na Av.ª António Augusto de Aguiar, perto do Parque Eduardo VII, em Lisboa (o percurso é um saltinho e praticamente a direito… – isto à parte os condicionamentos normais impostos pela sinalização de qualquer meio citadino.
E a certa altura, já a meio do percurso, a Dr.ª Cesina dá novas e precisas instruções ao motorista do táxi:
– “Sr. Condutor, vá em frente!”
E o condutor do táxi, atento ao trajecto, reagiu advertindo:
–“Sr.ª Dr.ª:, em frente não posso… é trânsito proibido”. Impunham-se claras restrições.  
E Cesina insistiu:
–“Não faz mal Sr.º motorista… vá em frente, que é mais rápido…”
Mas o taxista, mantendo a devida prudente, alude aos possíveis riscos de desobedecer à sinalização instalada:
–“Oh S.ª Dr.ª, então e a polícia”?
E Cesina de novo insiste, argumentando:
–“Não se preocupe, Sr.º motorista… siga em frente… é à minha responsabilidade… E além disso os polícias a esta hora estão todos a dormir”. 


* * *




A Dr.ª Cesina era um ser humano que reunia em si características verdadeiramente únicas, incluindo um sentido de humor explícito que se harmonizava com os aspectos mais sérios ou objectivos. E este equilíbrio revelava-se até no que de mais simples fazia parte do seu dia-a-dia.
Pouca ou nenhuma diferença lhe fazia ser de dia ou ser de noite. Ela dizia: “Durmo quando tenho sono, e quando posso dormir”. Argumento do qual se extraía uma noção e filosofia de vida que assentavam no princípio de que acima de tudo se devia observar, e levar à prática, o que tinha de ser feito de bom independentemente da hora do dia ou da noite.

E nesse tempo, conhecendo nós a Dr.ª Cesina como já a conhecíamos, não nos surpreendemos aquando daquelas vezes, a horas desertas (a meio da madrugada e no silêncio), lhe fomos tocar à porta e a encontrámos a pé. (Porém, ainda à distância, ao entrarmos na rua, tinha-mos dado conta da presença de luz nas vidraças do seu consultório)…
… Bem como não nos surpreendemos quando numa dessas vezes à conversa, e já a caminho da clínica, com muita simplicidade e espontaneidade ela nos informou:
– “Deixei a arrefecer uma panelinha cheia de sopa que acabei de fazer há pouco”. (Seria nessa altura também umas três e meia da madrugada).

* * *

Cesina era de uma franqueza enternecedora – traço do seu modo de ser que não era incompatível com a sua determinação e firmeza que natural e pertinentemente se impunham e se faziam respeitar. A par destes aspectos da sua personalidade, outros se evidenciavam que tinham a ver com a sua simplicidade e as suas resoluções práticas.
Achava-mos graça, por exemplo, aos lembretes que ela improvisava, a partir de pedacinhos de papel escritos à mão, e pendurava como que num estendal em miniatura junto à fechadura da porta do seu apartamento. E, relativamente à condução, ela tinha a sua carta mas sentia gosto nos seus percursos a pé… e era esta a forma como normalmente se deslocava.
Porém, conhecendo-se todos, ou apenas parte dos aspectos marcantes da personalidade e da vida da Dr.ª Cesina Bermudes, significa que se sabe que a Dr.ª Cesina Bermudes foi uma mulher de vanguarda… Vista sempre nas linhas da frente nas lutas em prol da garantia dos direitos humanos. Por exemplo foi da boca da Dr.ª Cesina que pela primeira vez ouvi falar de Bio-Ética.           



M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 3) 





– “As minhas clientes acabam por se tornar minhas amigas” – dizia Cesina. E connosco não poderia vir a ser diferente. Por isso passámos a visitá-la de tempos a tempos. E sempre que possível levava-mos connosco os nossos dois rapazes.
Eram visitas que agradavam a Cesina, e ela agradecia. Além da prova de estima e amizade que para ela essas visitas representavam, os reencontros com as crianças que lhe tinham passado pelas mãos ao virem ao mundo, clara e naturalmente lhe proporcionava satisfação. E parte dessa satisfação relacionava-se com a oportunidade de acompanhar e avaliar o desenvolvimento dessas mesmas suas crianças.

Sempre que a visitava-mos tínhamos prazer em lhe levar uma pequena lembrança. Sabia-mos as regras: deveria ser algo simplesmente simbólico. Mas no início não deixou de ser tarefa delicada decidir qual a oferta a levar à Dr.ª Cesina (acertar com a prenda que seria mais do seu agrado)…Pois não nos poderíamos esquecer daquele seu aviso: “Não se preocupem com prendas, porque eu não preciso de nada”.
Contudo creio que, ao fim e ao cabo, ela receava fazer-nos alguma desfeita não aceitando nada. E um dia condescendeu e revelou-nos.
– “… Para que fiquem a saber, uma coisa que eu sou é gulosa… Gosto de chocolates!... Portanto se fizerem questão de me oferecer alguma coisa podem trazer-me chocolates que eu aceito… e se forem chocolates da “Toblerone”, melhor ainda… – é o presente perfeito para mim”.

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A Dr.ª Cesina Bermudes era de uma invulgar cordialidade, e de uma verticalíssima serenidade.
A minha mulher durante os períodos de gravidez não faltava às consultas de rotina de obstetrícia que marcava no Hospital de Santa Maria.
Era em Santa Maria que, através do Sistema Nacional se Saúde, Rosa Maria fazia todos os exames e todas as análises necessárias ao normal acompanhamento de uma gravidez.
A Dr.ª Cesina tinha conhecimento e concordava plenamente com esse acompanhamento complementar no hospital, achando-o sensato e de absoluta utilidade (portanto indispensável).
– “A Rosa faz muito bem!...” – comentava a Dr.ª Cesina.
E quando Rosa Maria lhe falava dos procedimentos que tomava segundo as recomendações do obstetra do Hospital, Cesina atentamente ouvia e com a cabeça ia acenando que sim. E era evidente a sua postura de respeito pelo desempenho dos seus colegas de profissão, não pondo em causa as suas orientações e conselhos.



M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 4) 














Todavia Cesina no espaço do seu consultório reservava-se-lhe lugar, e legitimidade, para a sua palavra. E sempre que no seu entender se justificasse algo acrescentar, abertamente dava as suas indicações e conselhos:
– “Faz muito bem, Rosa!… Claro que sim – como o médico do hospital lhe disse que deve fazer está bem Mas também será bom que faça o seguinte…” – e então seguiam-se as recomendações de Cesina.



M. Gama Duarte /2016
(Foto-Selfie 5)






M. Gama Duarte /2016

(Foto-Selfie 6) 


  











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Nas fotos-Selfie:
Ao cento (imagem central) desenhos de Almada Negreiros publicados no Livro MATERNIDADE - 26 desenhos de Almada Negreiros (texto de Ernesto de Sousa), editado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda na colecção colecção arte e artistas.
Em baixo, a aparecer à direita, tela de 2016 pintada a óleo, da autoria de Rosa Maria Duarte.

      

Tela de Rosa Maria Duarte /2016
Título:
Liberdade





























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Cesina revelava-se aquela pessoa que mantinha uma compostura ética exemplar… E adorava o seu pai.



Dr. Félix Bermudes
(Foto encontrada na net)      

O seu pai, o Dr.º Felix Bermudes, foi a sua principal referência. Ele foi um homem notável. E Cesina no seu consultório, na parede por detrás da cadeira em que se sentava à sua secretária, tinha uma fotografia do seu pai em estilo retracto e em tamanho real.









Há dias voltei à net com intenção de revisitar (reler) as informações que em tempos já havia encontrado sobre a Dr.ª Cesina. Não só localizei as informações que já conhecia como dei conta de que algo mais era possível encontrar sobre a Dr.ª Cesina.
É certo que não sou grande navegador nestas águas (a net): a mão foge-me facilmente do leme… e as velas da minha insignificante embarcação (ou exígua jangada) ficam de banda… Denotando tais dificuldades que a minha mestria muito deixa a desejar. 

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A minha mãe (Maria do Rosário Duarte) tive-a até aos seus 95 anos.
Recordo-me nitidamente de que ela se orgulhava da sua longevidade… Mas nunca ela acreditando que chegasse a viver tanto tempo (95 anos).







…E em cada vez que alguém lhe perguntava a idade, a sua resposta centrava-se apenas na data do seu nascimento (25 de Outubro do ano de 1916)… Dizia-o e repetia-o com firmeza, sem que a voz o mais tenuemente se lhe embargasse… e sem a mais breve dúvida ou hesitação… E era como se de tudo o mais se tivesse esquecido (mas lá da data certa do seu nascimento, isso não!... – a data não se lhe havia varrido da memória).


Na Foto:
Maria do Rosário Duarte, nos anos 80, sob a copa do limoeiro que existia (e talvez ainda exista) no quintal da cave que ela habitava no N.º 26 da Travessa das Almas – Lisboa (prédio actualmente remodelado).   



O facto de Maria do Rosário ter a data do seu nascimento bem fixada, e de a repetir, talvez em si fosse a forma prática e infalível de revelar a idade que tinha…Poupando-se assim ao esforço de somar todas as primaveras vividas.
Também Maria do Rosário sabia (naturalmente o sabia) que o lugar, a hora, o dia e o ano do nascimento, são factos que se unem em testemunho relativamente a um acontecimento irreversível. E se erro não apresentar o que ficou escrito no registo para memória e certificação futura, é só fixar-se o lugar e a data constante da página pessoal do registo. E, de resto, é fazer-se as contas.

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Numa crónica que intitulei “Mães Grandes”, em parte inspirada na minha mãe mas onde falo em geral na figura da mãe (escrita em 12/12/2011), obrigatoriamente teria que incluir a pessoa da Dr.ª Cesina Bermudes (também ela foi uma Mãe Grande).
Exemplos de Mães Grandes também existem na pessoa de mulheres que foram (ou são) Mães Grandes mesmo sem o seu corpo alguma vez ter dado à luz… E inclui-se nesse imenso grupo de mulheres a Dr.ª Cesina Bermudes.
É impossível falar da Dr.ª Cesina Bermudes sem um enorme sentimento de gratidão. Para além da sua evidente competência profissional (atenta, conhecedora e resoluta, a que acrescentava os seus métodos prático, carinhosos e eficazes), era notável a sua agilidade intelectual.
Contudo exprimia com simplicidade a sua flexibilidade e capacidade de cedência à opinião do outro, como, por exemplo, era o caso da palavra que saía da boca futura mãe.
Perguntava a Dr.ª Cesina:

– “Então, minha filha… tem feito como eu lhe disse?” – referindo-se a Dr.ª a uma determinada indicação no âmbito do acompanhamento clínico que estava a fazer à grávida em questão. E caso a grávida respondesse que não tinha feito rigorosamente daquela maneira mas sim de um jeito, um pouco diferente, ao qual melhor se adaptava, Cesina por segundos detinha fixamente o olhar na mulher que tinha à sua frente. E após avaliar conscienciosamente o que havia ouvido da boca da futura mãe, comentava:
– “Também está bem da forma como você fez”.

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Dr.ª Cesina Bermudes, em jovem
(Foto encontrada na net)
A Dr.ª Cesina Bermudes, como antifascista que foi, manifestou-se em oposição à ditadura implantada em Portugal antes de 25 de Abril do ano de 1974, e, em consequência disso, passou algum tempo presa. Porém, a Dr.ª Cesina dizia que não lamentava os tempos passados nos calabouços da polícia política (pelo contrário…) E justificava o facto de não lamentar esse tempo com o seguinte sentido (positivo) da provação:
– “Até nem foi mau… – acabei por arranjar clientela entre as reclusas”.










Por todas as razões considero que a Dr.ª Cesina Bermudes foi uma das inúmeras Mães Grandes deste mundo.

A Dr.ª Cesina Borges Adão Bermudes nasceu no dia 20 de Maio do ano de 1908 em Lisboa. E no dia 09 de Dezembro do ano de 2001 deixou-nos para, em merecida ascensão, viajar até ao lugar onde em espírito descansam todos os que na Terra nobremente cumpriram a sua missão a bem da humanidade.




Nossa Senhora grávida
(imagem encontrada na net)

Havia quem intitula-se a Dr.ª Cesina de a parteira dos pobres. E, em verdade, factos se conhecem que fundamentam semelhante denominação – factos indicadores da sua generosidade e singular desapego relativamente aos haveres materiais.   
E a dr.ª Cesina, já com setenta e tal anos de idade, ainda acalentava o projecto de atravessar o Atlântico, rumo a Cabo Verde, para aí dar a conhecer, e ensinar, o parto sem dor. E ajudar as mães.








Esta crónica é uma simples e pessoal homenagem que presto ao grande ser humano (a grande mulher) que foi a Dr.ª Cesina Borges Adão Bermudes.



E é pouco o que nestas linhas deixo registado, comparativamente com o muito que fica por dizer, relativamente à maravilhosa experiência que eu, a minha mulher e os nossos filhos, tivemos com a Dr.ª Cesina Bermudes, e ao privilégio que foi o termos com ela convivido.    



M. Gama Duarte
01 de Maio de 2016



1 comentário:

  1. Uma Grande Mulher que ajudou a minha Mãe e a mim, a pôr-me no Mundo !
    https://opactoportugues.blogspot.com/2018/11/homenagem-cesina-bermudes.html#comment-form

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