Falar
de Clotilde
Mauro certa
madrugada, após uma ronda pelos telhados do seu bairro e um sono leve, acordou
com o pensamento em Clotilde.
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M. Gama Duarte /2016
(Instalação)
Título:
Falar
de Clotilde
Apoio
Na resolução fotográfica:
Artur Duarte
|
Clotilde tinha o significado, nem mais nem menos, de uma amizade antiga que Mauro partilhava com Carolino.
Carolino era um laçarote mecânico voador, e um amigo de Mauro
já de longa data.
Carolino era uma criatura bem apessoada… simpática e bem falante.
Estes dois bons amigos
– Mauro e Carlino – quase todos os dias se encontravam e conversavam. E esses
encontros aconteciam tanto em quintais bem cuidados e soalheiros, como em
traseiras ao abandono e sombrias de casas onde já ninguém morava. Lugares estes
onde por vezes Clotilde se refugiava, passando temporadas sem ser vista.
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M. Gama Duarte /2016
Título:
Onde se terá
escondido Clotilde
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Nesses encontros,
Mauro e Carolino recordavam fabulosas tertúlias. E, por sua vez, cada um relatava
entusiasticamente as suas novas e epopeicas aventuras.
E então nessa madrugada,
quando o Sol já se preparava para espreitar na linha do horizonte, Mauro, por
sorte, encontrou o seu velho amigo Carolino (o laçarote mecânico voador). E tendo Mauro nesse raiar do dia o
pensamento em Clotilde, era razão para fazer o seguinte pedido a Carolino, que
era um compulsivo falador:
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M. Gama
Duarte /2016
(Instalação)
Título:
Mauro e
Carolino
conversam
ao Sol
raiar
Apoio
na resolução
fotográfica:
Artur
Duarte |
– Vá, amigo… – fala lá hoje da nossa amiga
Clotilde.
Há muito que eu conheço o gato Mauro e o laçarote mecânico voador Carolino.
Eles também eram visitas
habituais no quintal que pertencia à casa antiga onde em tempos, em Lisboa, eu
morava.
Quando estes dois
amigos por lá paravam, nesse quintal da velha casa onde eu morava, e dava conta
da sua presença, sentava-me à mesa de trabalho da divisão da casa que me servia
de estúdio, e observava-os… Observava-os e ouvia-os…
E muito eu ouvi
dessas conversas ente Mauro e Carolino. Mas ignorando eu (e ainda ignoro) se
eles tinham percepção de que não estavam sós.
Mas, Independentemente
disso, ao longo de todos os anos em que vivi naquela casa, nunca deixei de ter o
prazer de receber no meu quintal a visita daqueles dois invulgares amigos:
Mauro e Carolino.
Ouvi-os falar de
Clotilde… várias vezes os ouvi falarem da sua amiga Clotilde.
Uma das vezes foi nesse
fim de madrugada em que Mauro pediu a Carolino:
– Vá, amigo…
– fala lá hoje da nossa amiga Clotilde. Era só mais uma vez entre outras
E Carolino falou de
Clotilde, fazendo a vontade a Mauro.
E hoje eu também poderia
falar de Clotilde.
Mas o texto que aqui
publico hoje foi escrito no dia 20 de Novembro do ano de 2007. E Intitula-se:
O Paradigma de Clotilde… E é datado de uma altura em que ainda não era comum falar-se em paradigmas…
ou seja: antes do caso paradigmático, muito badalado anos depois, em que um gorgulho
decidiu mudar de vida e o plano que pôs em prática foi abandonar o feijão-frade
e ir-se alojar numa bolota.
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M. Gama
Duarte /2016
(Instalação)
Título:
Mauro e
Carolino
conversam
ao Sol
raiar
Apoio
Na resolução
fotográfica:
Artur
Duarte |
o Paradigma de Clotilde
... E obviamente que um dia teria que falar de Clotilde: a barata amiga de Mauro e Carolino.
E é certo que as baratas
não são todas iguais…
E esta – a barata amiga
de Mauro e Carolino (Clotilde) – é um dos casos sobre o qual é justo dizer-se
que não é uma barata como as outras (ela é uma barata diferente… – não se
inclui no comum das baratas).
Ela é um arquétipo:
a primeira barata de uma nova geração de baratas… Um dia, no futuro, todas as
baratas serão como ela.
E que se cuidem as
formigas, as cigarras, as joaninhas… etc. … Pois a todas Clotilde supera em
esperteza, arte e elegância.
Clotilde dança, toca
piano e fala frantuguês (a língua
franco-latina).
Clotilde é,
indiscutivelmente, um prodígio…
Barata: uma palavra (uma palavra-nome…) – palavra significante que, ao ser
pronunciada, logo nos conduz a uma precisa imagem: aquele ser pequenino que
todos conhecemos.
Porém, a palavra
barata não apenas (ou não fatalmente)
nos condiciona a mente num sentido em que se nos afigure de imediato, e só, a
barata dos compêndios de zoologia com belas encadernações rígidas, e dos coloridos
e lustrosos cromos da História Natural de que fui coleccionador com direito a
caderneta.
Convivemos no nosso
cotidiano com uma determinada dimensão de significantes e significados em que a
língua, falada e escrita, não pode renunciar ao seu compromisso histórico.
E nesta vertente, a
palavra barata associa-se a referências de excelência. Como exemplo: a antiquíssima
“Livraria Barata” em Lisboa, fundada em 1732; Rua Barata Salgueiro, onde se
encontram a Sociedade Nacional de Belas Artes e a Cinemateca Nacional, também
em Lisboa.
E se certo é que “baratas
são carochas”, porque não relembrar a doce e ancestral relação (fabulosa relação)
entre a carochinha e o João Ratão.
M. Gama Duarte /2016
Título:
Afinal
onde se terá
escondido Clotilde
|
M. Gama Duarte
20 de Novembro de 2007
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