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MENSAGEM AOS VISITANTES DO BLOG
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Apraz-me contar com todos neste espaço de partilha.
terça-feira, 27 de janeiro de 2015
domingo, 25 de janeiro de 2015
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Desenho Título: casa mágica Material: lápis de cor e tinta da china Suporte: papel |
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Desenho sem título Material: tinha da china Suporte: papel |
As
estrelas não me repreendem…
Nem
um movimento. Nem um ruído... Quase nem uma sombra.
Quase
tudo Céu… O Sol… – (e) só.
Agora
a terra bebe toda a humidade que escorre das folhagens…
… E a noite foi aquela presença nos quartos… – o que se percebe pelo sentir na pele
a sua leve nomenclatura de cetim.
As janelas abertas e a Lua a vir
deitar-se connosco (ficou aos nossos pés como um felino manso).
Adormecer é como desperdiçar a sensação
de eternidade do momento.
Todas as estrelas já no seu lugar no
firmamento (não se empurram umas às outras…).
….
Antes, subi à açoteia (uma espécie de
terraço suspenso… e até podia chamar-lhe um pedaço de nuvem em forma de
rectângulo liso e cor de terracota). Sentia ainda um calor intenso debaixo dos meus pés... E sentia desejo de experimentar esse calor em todos os poros da minha
pele… Deitei-me abandonando o corpo por inteiro, e desenhando com ele uma cruz.
Reconheci aquele lugar… Recordava-me: a sensação
era mesma… sempre a mesma sensação naquele lugar… (ajuda nessa percepção as leis
dos equinócios preservada ainda na natureza e em teoria nos compêndios de
ciência…).
Agosto (Verão de 2011).
Porém castigam-me de dia as temperaturas
abrasantes: o ar escaldante toca-me e arranha-me como garras de lume, e
esfola-me o peito por dentro.
Creio-me ali (e assim) mais perto do Céu…
É como se entra-se por ele a dentro, ou como se ele me engolisse… e ao crer
nisso sorrio em clima de intimidade comigo próprio, que é a única forma
tranquila de o fazer – (sorrir)… – pois por sorrir em tais circunstâncias não
me vão repreender as estrelas, nem a Lua me vai franzir o sobrolho em sinal de reprovação…
Nem me vão abafar o sorriso as vozes das criaturas humildes que habitam o silencioso
mistério da noite…
… O Sol despontara à uma dúzia de quartos
de hora… E recordo-me como se fosse hoje (– eu então a pensar):
– “Manhã …
E aqui gostosamente rendido desde as
unhas dos pés mal aparadas (estou de férias…) até à ponta dos cabelos que ainda
conservo… passando esse elam pelo
coração, pelas mãos… – (uma das mãos segurando o cigarro; a outra agarrando a
asa da chávena, que agora apenas contem uma porção residual de café, mas que,
bebido, oferece ainda o intenso e familiar sabor – aquela fragrância que de
forma doce me espicaça o cérebro).
E o corpo aos ângulos – adaptado à
cadeira que por acaso é em plástico, assim como a mesa… E uma e outra peça
(mesa e cadeira) exibindo o reclamo à Sical.
Há uma linha imaginária, nem verde nem
azul, que me guia o olhar ao longe…
… uma linha, nem verde nem azul, que se atreve
numa fuga delirante para mais longe
ainda… leva-me consigo, e já não sei onde estou: se aqui sentado de cigarro
entre os dedos de uma das mãos (a direita… ainda tenho a noção), e a asa da
chávena entre o indicador e o polegar da outra mão (esta última logicamente a mão
esquerda).
E de novo a dúvida: já não sei onde estou
sentado… não sei se nesta cadeira à mesa, ou se estou sentado numa daquelas
nuvens brancas, sem que os meus pés toquem a linha imaginária, nem verde nem
azul…
(– agora já não uma linha mas sim uma
auréola – reparando melhor).
Mas estou certamente entre uma coisa e
outra (a nuvem e a cadeira em que me sento a esta mesa) …
Vou subindo e descendo montado nas
vértebras da minha fantasia acompanhando a imaginária linha (há novamente linha
e sinto-me como um equilibrista de circo).”
...
… Tinha-me levantado há pouco.
O sono finalmente posto em dia; os galos com
a sua sessão de canto coral cumprida, ou tendo-a interrompido (desistido por
cansaço) devido a exageros típicos de galo; o Sol já a virar maduro mas fixo no
azul de “prata”… – (o ouro sobre azul das
manhãs virgens, tranquilas e sem véu…) –, e o silêncio de um vazio cheio –
cheio de mim… cheio dos aromas a verde e a azul que entram pelas janelas
abertas… cheio do brilho da linha imaginária que afinal é de todas as cores.
Enfim, um vazio cheio de mim, e dos outros que nos quartos, de porta ainda fechada,
descansam; um vazio cheio dos restantes da casa que saíram cedo chamados a tarefas
e compromissos que não os dispensam.
Acordara bem desposto… Sentia-me à
vontade.
Com um braço aproximei mais de mim a minha
mulher, e assim ficámos mais um pouco.
Os rapazes ainda dormiam (ainda não os
tínhamos ouvido no corredor). Levantámo-nos (talvez já um pouco tarde…) para
um passeio ainda antes do almoço, e seria já debaixo da madureza tórrida e
macia do Sol do Sul…
E lá iríamos campo e estrada fora. Eu de
boné mal equilibrado ao centro da cabeça, nos meus excessivos cuidados com os
ultra violetas… e com os meus óculos de sol de lentes cor
de tintura, pendurados no nariz e nas orelhas – óculos que uso, por regra,
apenas para me esconder do mundo (mas de um
outro mundo, não deste aqui – porque deste mundo aqui não me escondo nem me
queixo porque é um mundo suficientemente sincero e natural… – é aquela simplicidade na base da qual seriamente a
linha imaginária de todas as cores brinda com os meus sentidos).
…
Gosto de me sentir bem… gosto de me
sentir à vontade.
Entre as nuvens e eu ainda a mesa. Sobre
ela, e à minha frente, o bloco de notas onde escrevo.
Num ângulo de visão por esventrar ainda, jovens
pinheiros mansos de um verde sólido… copas redondas como berloques gigantes,
cobrem cabeços ressequidos. Talvez duas, talvez três, talvez quatro centenas de
pinheiros mansos… íntimos como siameses (profunda inspiração do destino ...) –
talvez as suas vidas e destinos estejam ligados a uma mesma raiz comum.
(Enternece-me o convívio das árvores… O
convívio das árvores é como um soro de vertigem pura e sacralizada…
… Convívios?... rambóias?... relações de vizinhança?... cavaqueiras?… – Com as árvores sim!...Vale a
pena.
Loucura?... Talvez…
Talvez, passado um certo tempo, a loucura
seja o que se espera no indivíduo lúcido que justifica as suas teimosias e
irredutibilidades defendendo a ideia: “Deve-se
ver as coisas como elas são!...”)… E porque não (?).
…
… E por todo o lado era o silêncio. Para
mim era o silêncio… ficavam no fundo das gavetas
todas as cartas de recomendação, certificados de competência e credenciais
que respeitavam outros valores que não fossem os valores da simplicidade e do silêncio.
E que outras coisas serão melhor que a simplicidade e o silêncio?...
Um pássaro ao alcance da minha enfraquecida visão voava linearmente a
velocidade constante, transcendendo tudo o que não soubesse e que a mim não
fazia falta saber (nem a ele fazia falta saber). E enquanto isto, uma
abelha de tamanho invulgar, que quase me assustou, poisou (abordou-me). Eu não
sabia de onde vinha tal criatura, nem onde poisara antes. Aquietou-se perto da
minha chávena. Não se aproximou decerto atida à cafeína e com apetite a ela… (as
abelhas não tem noção alguma dos prejuízos e dos benefícios da cafeína). Deslocou-se
ligeiramente e pôs-se a chupar no vidrado à volta do estampado do pires, qualquer
coisa que me eu não enxergava (não distingui a olho nu o que era). A seguir a
criatura ficou imóvel, como que, tendo-se consolado, pretendesse fazer uma
digestão em tranquilidade. Ou então, quem sabe, talvez lhe interessasse experimentar
uma conversa comigo.
M. Gama Duarte
sexta-feira, 23 de janeiro de 2015
domingo, 18 de janeiro de 2015
sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
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Pintura
Sem título
Temática: A janela e a cruz
Materiais: Aguarela, pastel, lápis de cor e tinta-da-china.
Suporte: Papel
|
Lauro
Telmo
e
a sua ecologia do silêncio
(Crónica)
– “O homem, a
tela… o silêncio.
… Sim: o homem… a
tela… Mas também o silêncio…
(triangular
combinação enigmática e alquímica)
E em cada vértice
seu elemento… E cada elemento em seu vértice afirmando-se em excelência”…
Falava assim (ou dizia) Lauro Telmo que, naquele
instante, em frente de um dos cavaletes que tinha sempre a postos, dialogava
com os seus botões no sossego do atelier onde pintava – atelier que se situava nas
águas-furtadas de um velho prédio do antigo bairro da sua cidade natal.
Mas um outro elemento avizinhava-se de visita (Lauro
Telmo sentia-o – reconhecia-o). E assim, a esses três elementos já presentes, juntava-se um quarto elemento: a Ideia, ou a inspiração; a graça, ou o mistério… (uma
ou outra coisa… – ou qualquer que ela
seja – numa quase perfeita simbiose).
Mas, qualquer que
seja o sentir no momento, o quarto
elemento precede o acto criativo no concreto, e confere ao acto uma espécie de (ou
um particular) sentido ecológico…
E assim decorre o
processo: um dos três vértices do triângulo imaginário abre-se (dissipa-se)… E Lauro
Telmo assiste à prodigiosa transformação daquela angular geometria. Gere-se uma
nova amplitude: agora quatro vértices em vez de três... Agora os quatro elementos em plena assunção… – uma
combinação entre sublimes afinidades,
e em solenidade e excelência.
“Agora o homem, a tela, o silêncio… e a
inspiração (ou a ideia… ou a graça, ou o mistério…)” – assim pensou, e é natural
que Lauro Telmo assim pensasse.
Chegado o momento, Lauro Telmo pode imaginar,
por antecipação, a obra concluída… – imaginá-la, enquanto realidade, de
constituição densa por efeito de sucessivas aplicações de camadas de óleo, de acrílico,
ou de outra qualquer matéria manuseável e que possua razoável plasticidade,
textura e intensidade de cor.
Por outro lado,
se for o caso de ser usada, no acto da execução (ou materialização da obra), uma
técnica mais leve que produza alguns e certos efeitos minimalistas, a tela
apresentar-se-á com consideráveis espaços privados de tinta, sem que essas
aberturas, ou ausências de matéria plástica, diminuam o valor final da obra.
Pois, em contraste, ou em alternância com os espaços em branco, pode ser riquíssimo o jogo harmónico e o equilíbrio cromático
e estético, produzido pelas pinceladas escassas e soltas (escassas e soltas, mas
precisas). E mesmo os espaços em branco
de que se fala, participam vigorosamente e com forte presença em tal composição…
E a obra final apresentar-se-á com uma surpreendente coerência… – uma coerência
que impera acima de qualquer rubor de conflitualidade entre cores, planos,
zonas do suporte que se mostrem em branco
(ou de reserva), contrastes, formas… etc.
E, concluída que
esteja a obra, Lauro Telmo pode aprecia-la, analisá-la, divagar ou dissertar, dispersar-se
em considerações em que terá presente conceitos sobre o sentido do abstracto, a
aplicação de técnicas variadas, a estética, as possíveis leituras no plano e domínio
do subjectivo ou do filosófico… (e outras possíveis considerações).
A relação de
Lauro Telmo com a arte era uma espécie de laboratório onde ensaiava emoções,
experimentava físicas sensações, onde redescobria as virtualidades e prazeres dos
seus sentidos e variantes da sua sensibilidade. E era também uma oportunidade
de estudo das probabilidades da inexistência de limites quando se viaja em
liberdade no espaço/tempo consagrado a toda a arte que o divino entende abençoar.
Lauro Telmo tirara
a claro uma conclusão (ou acreditava que
o havia conseguido):
A leitura simples e essencial das coisas não reduz a percepção e o
reconhecimento da beleza, da originalidade, da consistência estrutural e da
força vital e comunicativa do objecto ou
da obra artística… Ele passara a ver o simples
e o essencial aliados numa imperiosa
disciplina de economia que um particular e específico sentido de ecologia acolhia.
E em tudo, ao cabo e ao fim, expressa-se na
atitude ecologista a forma de economia mais pura e natural.
Nos tempos em que
Lauro Telmo ainda era criança, quando alguém dele se aproximava e lhe
perguntava o que queria vir a ser quando chegasse a adulto, ele tinha sempre a
resposta à saída da boca (que vinha do seu íntimo): “Quero ser pintor!”
Lauro Telmo teve
uma infância feliz. Conserva generosas recordações desses recuados tempos… – memórias
das fabulosas brincadeiras ao “faz de
conta” com que se entretinha… – brincadeiras que têm subtis raízes que se
alimentam da mais pura e singela inocência, fantasia, imaginação… e que se
alimentam ao mesmo tempo de uma cristalina percepção da essência do real.
Uma das mais
vivas memórias da sua infância é a memória de um mágico silêncio em que muitas vezes submergia…
Lauro Telmo, através da observação da arte mímica de Marcel Marceau, havia extraído a prova de
que tudo pode ser compreendido no seio do silêncio, e à sua transparência… – o que
equivale a dizer que o silêncio proporciona ao ser humano uma ímpar
oportunidade de percepcionar e compreender o que existe de profundamente mais
real no milagroso processo através do
qual se desperta para a beleza e para a natureza divina de cada ser, criatura, ou coisa.
Oferece-se por
ventura neste processo que atrai, não raramente, as substâncias dos sonhos, uma
realidade material menos palpável mas, sem dúvida, fabulosa e extraordinariamente expressividade.
Lauro Telmo ficava
fascinado todas as vezes que via pela TV os espectáculos de mímica de Marcel
Marceau.
Lauro Telmo bem
se recorda daquele dia em que a mãe, com um especial brilho, vivacidade e
ternura no olhar, serenamente lhe dissera: “Sabes, meu filho?... Entre as mãos e o
coração de Marcel Marceau, tanto cabe a pequena andorinha que se perde no azul do céu de um imenso deserto,
como cabe um enorme astro (um planeta por exemplo) que descreve a sua
trajectória na distante galáxia da qual é filho e à qual pertence”.
– “O quê, mãe?” –
quis Lauro Telmo entender... – perceber o que a mãe lhe havia dito daquela maneira
(com aquelas palavras) que o deixou deveras curioso, mas ao mesmo tempo confuso. Mas de seguida
a mãe explicou-lhe tudo de uma maneira mais simples, e Lauro Telmo então compreendeu.
M. Gama Duarte
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Duplo Retracto
Imagem recolhida do livro RE COMEÇAR – Almada em Madrid,
com texto de Ernesto de
Sousa, e publicado pela
IMPRENSA NACIONAL – CASA DA MOEDA, sob a Colecção
arte e artistas
|
… Porque não aqui para sempre?...
(crónica)
Ali era bom: riam-se;
entrelaçavam gestos de afecto; acenavam à chegada das faluas e das traineiras;
falavam de poesia e dos poetas; divagavam sobre o rumo dos paquetes e dos veleiros…
E questionavam-se:
– Será que na textura das asas das gaivotas também se lêem as linhas que
rezam o rumo dos destinos?
Gostavam daquela
esplanada de acesso complicado… mas que mesmo assim frequentavam.
(Nos dias que corriam, para
eles aquele retiro era já paradeiro certo… E, com o tempo, o conhecer aquele
lugar – do qual tiravam benefício todos os que se iam fazendo clientes
habituais –, passava a ser um privilégio.
“Varandim
Azul Mar – Café Cervejaria – vinhos e
petiscos”... – nome bem
visível no letreiro a sobressair junto ao umbral, e a puxar a atenção pelo
facto de se apresentar em letra de estilo
escavada em pinho velho e pintada de frescas tonalidades de rosa, amarelo, turquesa
e azul marinho.
… E de Frederico das naus?... que dizer do velho e amigo Frederico
das naus?...
– Um rosto familiar… e o
homem que, trinta anos atrás, numa soalheira manhã de Maio reabria ao público as
portas daquele acolhedor e centenário estabelecimento – honrando assim uma
herança que recebera de boas mãos e em boa altura… E bem-aventurada a Primavera
em que foi tomada essa definitiva decisão, porque permitiu que uma tradição
ancestral não tivesse que contar os seus últimos dias de existência.
…
– “Varandim Azul Mar… – o nosso
refúgio a céu aberto, e secreto... Aqui é bom!...” – repetidamente Orlando
e Fabíola comentavam entre si todas as vezes que ali voltavam, considerando já aquele
lugar o seu refúgio secreto… e a céu
aberto… E apenas seu, como se realmente por eles tivesse sido inventado… e como
se por ali apenas eles fossem vistos e achados.
…
Desde tempos remotos que
se ouve dizer que o mundo é pequeno. Mas
Orlando não sabia se em algum tempo da história tal constatação foi com toda a
certeza boa notícia (em algumas
épocas e circunstâncias provavelmente, ou de certeza, o foi. Mas noutras talvez
não… E casos bem complexos haverá em que surgem e perduram as dúvidas…)
…
Afirmação e
(ou) razão… – o eterno dilema. E de
uma à outra margem – da afirmação à razão (isto enquanto dura a controversa travessia) – a verdade bóia sem que, à partida, se antecipe
o destino ou o ponto onde encontrará porto.
Gladiam-se hipóteses no
âmbito das possíveis explicações… (analisam-se as causas e os efeitos). E sempre
os pólos inseparáveis. E, momento após momento – (e aqui e ali) – o içar do
estandarte que anuncia a incerteza relativamente ao triunfo e glória da
harmonia e do equilíbrio.
Mas afinal quem sabe se a
sabedoria pura-pura consiste no conhecimento que as aves possuem como
patente sua (?) – questionava Orlando.
… E Orlando avançava ainda
com aquela teoria – que era sua – um tanto
ou quanto delirante, irónica, excêntrica ou surrealista… mas sua:
“… Ora se
o mundo é pequeno, é porque o mundo diminuiu de massa, de forma e de peso… pelo
facto de ter vindo, pouco a pouco, a desgastar-se e a desfazer-se… ou seja: a finar-se”.
Mas Orlando, lá no fundo
de si, sempre preferiu um mundo grande… (“inimaginável… incomensurável”) – mundo
onde um homem (ou mulher) se perderia entre biliões de milhas, e entre biliões
de léguas… – um mundo tão grande, e de tal maneira surpreendente e impossível,
que a superfície terrestre desse mesmo
mundo ficaria tão perto da superfície da lua em sua órbita que, de um para o
outro astro, se medisse simplesmente o comprimento de um salto de gazela ou de um
passo de mulher… Pois um mundo assim – com tal grandeza –, seria um mundo de intermináveis
e fabulosas oportunidades… – até com espaço de reserva, ou de sobra, para
lugares à semelhança do “Varandim Azul
Mar”: lugar de laser desterrado… Desterrado mas tranquilo… E raro, e belo… e
só assim compreendido como lugar à escala, ou de proporções ao jeito de Orlando
e Fabíola.
…
A imagem do velho Frederico
das naus reaparecia recortada a contra
luz.
Atrás de si a entrada
estreita do bar bafejava uma dourada penumbra onde trémulos e coloridos reflexos
se plasmavam.
O sorriso no rosto de Frederico
ia puxando pelos seus passos lentos, que pareciam segui-lo… – como se todo ele:
sua materialidade visível e presença holística – acudisse aos leves e suaves sons
e aromas… e às cores reunidas num gigantesco punhado de crepúsculos.
Mas o sorriso e os
passos de Frederico das naus respondiam também à apelativa presença,
calma e doce, do ainda jovem casal.
Frederico das naus estimava aqueles seus clientes
de longa data. E lá andava o velho Frederico: os seus passos lentos; o seu sorriso
que traduzia a franca afabilidade contida no simbólico abraço de apreço pelos habituais
rituais dos seus enigmáticos (mas simpáticos) clientes. E, por consideração, de
modo especial ele os servia:
– “Aqui tendes, amigos… – a vosso gosto: as vossas taças… (ainda taças produzidas
em fino vidro das antigas, tradicionais e afamadas, vidreiras da Marinha Grande).
Especial atenção da minha parte para com vocês, por se tratar dos meus caros amigos…
E ainda quanto às taças, é o melhor tinto alentejano que cá tenho a enchê-las…
para que brindem e bebam com satisfação, e se sintam bem”.
…
– “Mais um Tchim-Tchim… (mais um…) À vida! … – à vida e a tudo o ela
contem que faça sentido” – propunha
Fabíola, ao mesmo tempo que os seus longos cabelos, de um castanho muito claro
– quase loiro –, pendiam para o seu ombro direito ao inclinar ligeiramente o
rosto. E, do mesmo lado, com os seus finos dedos, Fabíola tocava com delicadeza
a base da taça que ergueria ao mesmo tempo que Orlando ergueria a sua. Era um
sinal: um gesto continuado por outros gestos… – como que uma liturgia dando expressão
a algo que revelava uma vontade comum (coisa que eles muito gostavam: brindar
às coisas da vida que tinham um claro propósito. E gestos em que um e o outro,
e um perante o outro, se redescobriam, se reconheciam e entendiam… em que reafirmavam,
olhos nos olhos, um compromisso assente em sentimentos, e um vinculo canónico já
de muitos anos. E por assim dizer e ser: gestos que num único gesto se fundiam).
…
– “Aqui é bom…” – dizia Orlando… e dizia Fabíola… Diziam-no num quase tom ou num tom quase (tom em tudo quase igual àquele tom com que se pronunciava o silêncio
que ali podiam escutar). E Orlando continuou:
– “Fabíola… E se hoje não fossemos lá àquele outro sítio, e só lá fossemos
depois (mais tarde)?... Fiquemos antes assim perto deste mar e do crepúsculo
extraordinário que nos espera.
A
cidade é bela também, bem sei… – sabemos isso… E é a nossa cidade mãe… Lá
nascemos, e nasceram também os nossos descendentes… E também é belo o rio que a
cidade tem a “afagar-lhe os pés”: o Tejo… Mas apetece-me agora a paz que este
lugar aqui nos oferece, e apetece-me este momento… E até há alturas em que me parece
que só aqui – neste lugar – existe a possibilidade de ficarmos tranquilos... E
há dias em que quase não aparece nem vemos vivalma chegar próximo deste nosso
espaço…
Por
estas razões encontro sentido nestes nossos momentos.
Foi
aqui que fomos inventando este imenso mundo que nos recebe e nos acarinha. Repara
que aqui existe mais próximo dos nossos olhos, mais próximo dos nossos ouvidos…
mais próximo das glândulas que nos comunicam a essência deste aroma a iodo e
sal, um horizonte único (nosso). E é igualmente possível aqui um certo paraíso –
um paraíso onde se tornam musicais todos os ventos e brisas que dentro de nós
sopram...
…E
se ficasse-mos aqui para sempre, Fabíola?...
Fabíola esboçou um
sorriso afirmativo sem a mais ténue vacilação… – um sim que um leve aceno de cabeça agraciava… E esse acordo,
estabelecido num cenário de fantasia que muito bem dominavam, selavam-no
erguendo pela segunda vez, com solenidade, as suas taças de vinho.
– “Claro… Num outro dia (vamos lá à cidade num outro dia) – assentou
Fabíola fitando Orlando, e ao mesmo tempo consentindo que o mesmo ar sorridente
de há instantes regressasse ao seu rosto.
E, para surpresa de
Orlando, era agora Fabíola que, retendo o sorriso, colocava a mesma hipótese:
–
“E porque não, voltarmos depois aqui e aqui ficarmos para sempre?...”
M. Gama Duarte
quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
“O sangue
das cores”
Toma em teus dedos
o fio de
prata
que desenha
o perfil das tuas asas,
e poderás assim escrever:
”Sim!…
falarei do sangue das cores,
e das musicais
nervuras do silêncio…”
…
Hoje vi-te…
… –
acordavas de bruços
sobre o parapeito do tempo…
(O Sol gelava-te a boca…
e nos campos havia um ninho de palavras
alojado no coração das árvores…)
… E eu esperava que gritasses:
“Sim!... tenho cede de seiva e de néctar!…”
(Bem eu sabia que chegara o tempo das abelhas…
e que por isso poderias
também gritar , caso quisesses:
“ Sim!…
falarei do sangue das cores!…
… e é tempo de sentir o vibrar
das musicais nervuras
do silêncio”).
M. Gama Duarte
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